Desenvolvendo sua biblioteca visual (parte 2/2)
/Este post é uma continuação da nossa conversa sobre Biblioteca Visual, o que é, como desenvolvê-la e como ela vai acompanhar a carreira de qualquer artista do começo ao fim. Se você ainda não leu a primeira parte, pode fazê-lo clicando aqui.
Esse texto também tem grande relação com tudo que já falamos sobre desenho aqui no Brushwork Atelier. Seguem os posts da categoria Desenho:
Para dar continuidade, vamos analisar ainda o vídeo de Feng Zhu, porém desta vez a segunda parte, onde ele nos mostra sua abordagem para desenvolver a biblioteca visual.
Ele resume as maiores fontes de estímulos visuais, e consequentemente melhores opções para o desenvolvimento da biblioteca visual, em 5 grandes blocos:
- Livros
- Natureza
- Viagens
- Museus
- Games e Filmes
Os mais importantes em sua opinião são os Livros, primeiramente porque o levam em uma aventura, tirando-o de seu ambiente normal e botando seu cérebro pra pensar. É o que ele chama de "Forced Visuals", que são imagens geradas de forma involuntária em sua mente pela leitura. Você começa a imaginar espaços, personagens e mundos de forma totalmente espontânea. E finalmente, storytelling, pois como designers visuais precisamos saber como contar uma história e não existe lugar melhor de aprender a desenvolver um clima e uma narrativa do que em livros.
O segundo ponto mais importante para ele é a Natureza. O design na natureza é baseado em milhões de anos de evolução, se aproximando assim o máximo possível da "perfeição". Tudo tem funcionalidade e ao mesmo tempo um valor visual impressionante. Discuti um pouco deste tópico em meu post sobre se reconectar com a beleza do mundo. Acredito que a natureza seja a principal inspiração do design, você pode aprender muito sobre a funcionalidade e formas sofisticadas. Veja mais também na série sobre a importância do Life Drawing, clicando aqui.
O próximo tópico são as Viagens. Não existe como explicar a experiência de um lugar através de uma foto ou um vídeo. Entrar em contato direto com ambientes, pessoas e culturas diferentes enriquece nossas imaginações e bibliotecas visuais. Ele também comenta que sons e cheiros ajudam a fixar experiências visuais, algo que você não consegue em um livro ou uma foto. Este conceito é chamado de sinestesia. Outro ponto que ele enfatiza é o senso de escala, algo com o qual não temos contato sempre, como por exemplo subir na Torre Eiffel ou outros grandes prédios do mundo.
Museus são o quarto ponto em sua lista. Estes tem muita correlação com viagens, pois existem excelentes museus em diversas cidades do mundo, como por exemplo o Louvre em Paris, o museu do Vaticano e o National Gallery em Londres. Museus são construídos para incentivar o entendimento, então você passar um dia em um museu com um sketchbook analisando as obras acrescentará muito para sua jornada. Museus também são uma viagem no tempo, onde você entrará em contato com épocas completamente diferentes, gerando as mais diversas experiências. O conceito da escala discutido anteriormente também é importante neste caso, principalmente em museus de aviação e veículos por exemplo, onde você entrará em contato direto com objetos reais. Desta forma, você saberá exatamente as proporções e suas relações quando for fazer seus designs. As funcionalidades dos itens também são muito evidentes. Discutiremos mais a fundo os museus no final deste post, com um exemplo de Scott Robertson.
Por fim, Games e Filmes. Apesar de muitos de nós termos interesse em trabalhar nesta área, estes podem demonstrar certos perigos, também por isso estão por último. O ponto mais positivo desta análise é conhecer o que está sendo lançado, o que está "lá fora", o que já foi feito. Assim, você poderá evitar criações muito parecidas com o que está em evidência no mercado. Outro ponto importante é entender as tendências, pois como falamos no primeiro post, apesar de você ter que inovar, você deve criar algo que seja reconhecível, e principalmente em um ambiente comercial, seja "legal" e em linha com o que está "quente" no momento.
Pegando o gancho do tópico de Games e Filmes, Feng entra na descrição do que ele acha que devemos evitar enquanto estivermos estudando. Jogar videogames, segundo ele, deve ser evitado a todo custo, pois estes são criados pensando em como mantê-lo jogando o máximo de horas possível. Uma ou duas horas tudo bem, porém vamos acabar ficando mais pela dinâmica e mecânicas internas dos jogos. Utilize este tempo nas outras das cinco fontes que ele sugeriu.
Uma forma de ficar por dentro do que está acontecendo no mundo dos games sem sucumbir aos aspectos viciantes é assistir a gameplays e playthroughs no Youtube. Um exemplo interessante é uma série de vídeos criada como um gameplay do jogo The Last of Us, da empresa Naughty Dog. A grande diferença é que nesta, foram retirados os elementos de interface e todas as ações e movimentos coreografados para aproximar os vídeos de uma série de TV. Você pode ver o primeiro episódio aqui ao lado.
Outra coisa a evitar, segundo ele, são fanarts. É muito interessante e divertido no começo, porém o estudo da vida real deve ser mantido acima de tudo. Os estúdios estão contratando designers e não quem gosta de fazer fanarts. Em um portfólio profissional, estes devem ser mantidos em um mínimo, principalmente em um portfólio de design. Por exemplo, o personagem E. Honda do Street Fighter foi desenvolvido por alguém. Alguém decidiu que ele seria grande como um lutador de sumo, teria a roupa daquele jeito, as marcas no rosto, o cabelo, etc. Se você faz uma fanart, do ponto de vista de design, você não está resolvendo a maioria dos problemas, só está resolvendo questões de ilustração e possíveis pequenas alterações de proporção, design ou estilização.
Mais uma vez, este ponto está muito em linha com o que discutimos nos posts sobre a importância do life drawing e evitar a abstração a partir da abstração. Você encontra estes posts clicando aqui. Existe muito a se aprender olhando o que foi feito por outros artistas, porém é sempre importante lembrar que devemos muito mais analisar do que copiar. Acredito que esta tenha sido a intenção de Feng neste trecho, questionar mais do que demonizar a prática do fanart.
Scott Robertson, lançou uma série de vídeos em seu canal do Youtube, também sugerindo ideias para desenvolver sua biblioteca visual, principalmente em museus, utilizando como exemplo o caso específico de veículos.
Antes que você consiga sentar e desenhar veículos interessantes da sua cabeça, você precisa entender que muito do que acontece em um veículo é baseado na realidade, principalmente em termos de funcionalidade. Estudar o que já foi criado, certamente o auxiliará em seu aprendizado, mas não basta simplesmente pegar uma foto qualquer do Google e criar em cima disso. É importante você sair de casa, viver diferentes experiências e ir criando aos poucos sua biblioteca visual. Também é importante frisar que isso não significa simplesmente sair de casa e tirar fotos, para absorver realmente o que está a nossa volta e olhar com profundidade a melhor ferramenta que temos a nossa disposição é o desenho.
Ele divide o processo de desenvolvimento da biblioteca visual em 3 fases, que são:
- Observação
- Memorização
- Aplicação
Observar aquilo que te interessa é o primeiro grande passo, acrescentando muito ao seu trabalho. Porém é importante lembrar de todos os inúmeros detalhes, para que possam ser recombinados e alterados no futuro em suas criações. Por fim, aplique tudo isso em designs originais e que capturem o interesse de sua audiência, este é o passo mais difícil e mais comumente negligenciado por estudantes.
Vamos discutir alguns pontos específicos de cada uma destas etapas, principalmente aplicadas na observação de veículos reais. O que devemos observar quando vamos a um museu automobilístico ou da aviação por exemplo? Onde o desenho se aplica?
Quando entramos em um ambiente como este ao lado, normalmente nos preocupamos muito com os grandes shapes, volumes e proporções do que estamos vendo. Scott nos desafia a olhar além, valorizando também pequenos detalhes e dicas do funcionamento de cada elemento que forma o todo do veículo.
Em alguns museus, é possível encontrar vistas explodidas ou esqueletos de veículos por exemplo, estes auxiliam muito no entendimento da estruturas por baixo do que você está vendo.
Como as coisas se encaixam, como se movimentam, como uma pessoa entra em um veículo, qual o nível de conforto interno, onde ficam e como são os principais controles e botões, são alguns poucos exemplos de elementos de funcionamento e packaging. Questões mais relacionadas aos materiais e uso constante como riscos e degradação, posicionamento e comportamento de marcas e sujeiras nas superfícies, dentre outros detalhes acrescentarão muito aos seus próprios designs no futuro. Em poucas horas, observando e questionando detalhadamente o que você está vendo, é possível absorver muita informação.
Ter uma base teórica sobre o que está sendo observado ajuda muito também, adquirida através de livros, por exemplo, como H-Point sobre design e packaging de veículos, cujo link você encontra aqui ao lado.
Outro ponto importante, como Feng Zhu falou, você também absorve questões temporais, vendo o que já foi o passado de um determinado tema, como está atualmente e quais as tendências para o futuro. Cada assunto específico terá uma imensa quantidade de peculiaridades que você irá desenvolvendo ao longo dos anos. Em seu vídeo Scott, mostra vários exemplos de detalhes que ele observa em suas viagens e visitas a museus.
A fotografia deve ser utilizada como ferramenta de análise e recordação e não como o produto final. Ela auxilia na comparação entre diferentes veículos, assim como a própria revisão e memorização de elementos. Mas se for feita como produto final, toda a análise durante a visita, questões de sinestesia, escala e pequenos detalhes serão perdidos em detrimento dos cliques.
Aprender as proporções, enriquecer sua biblioteca visual, desenvolver o seu vocabulário visual (que ele chama de visual literacy) para então passar do estágio de observação para o de memória.
No segundo vídeo, Scott vai mostrando como ele tenta aplicar aquilo que viu em suas observações em seus desenhos de memória. Não são necessariamente desenhos buscando grande originalidade de design, e sim formas de reforçar seu entendimento e sua biblioteca visual sobre o assunto. Quanto mais você desenhar os objetos e absorver as nuances, mais fácil será para utilizá-los e modificá-los quando você estiver criando seus próprios designs. Não é só a prática, é uma análise de como você poderia construir aquele objeto e consequentemente qual processo poderá utilizar para construir os seus.
Observe também neste vídeo a quantidade de pequenos detalhes que Scott observa ao estudar seus carros, em termos de proporção, funcionalidade, detalhes gráficos, etc.
Por fim, ele demonstra no vídeo 3 como move do conhecimento absorvido para o aplicado. Scott demonstra, em uma série de seus trabalhos, como utilizou sua biblioteca para criar imagens originais e ao mesmo interessantes e críveis para sua audiência. Segue um exemplo de sua aplicação dos conceitos em embarcações:
Ele termina sua fala dizendo que a criação de veículos, principalmente nos dias atuais, quando tanto já foi feito, se resume a combinação e alteração do que já existe, porém de uma forma original. É neste ponto que ter uma biblioteca visual mais rica e um vocabulário de design mais amplo ajudará muito.
Resumo
O que aprendemos nesta série?
- É importante entender que biblioteca visual não é uma habilidade, portanto não há como desenvolvê-la buscando um fim, é uma prática que você levará para o resto da vida.
- Biblioteca visual, para mim, são todas as imagens que você armazenou em sua cabeça de objetos, pessoas, animais, lugares, materiais e experiências ao longo de sua vida, seja em termos de sua aparência, funcionamentos e funcionalidades.
- Sua biblioteca será muito importante para auxilia-lo principalmente no processo de design, onde modificará e combinará elementos, proporções e funcionalidades prévios buscando algo original e chamativo.
- Para Feng Zhu, as 5 melhores fontes de estímulos visuais são: Livros, Natureza, Viagens, Museus e Games e Filmes.
- Devemos tomar cuidado com Games e Filmes para não perder muito tempo nos mesmos, dominados pela eficiência das mecânicas e dinâmicas internas dos mesmos.
- Para Scott, o desenvolvimento da biblioteca tem 3 etapas: Observação, Memorização e Aplicação.
- Busque em suas pesquisas aprender mais do que somente shapes, volumes e proporções, mas compreenda também aspectos construtivos, funcionais, ergonômicos e dos materiais utilizados em cada parte do objeto sendo estudado.
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