Como melhorar seu desenho em menos tempo
/Você já se perguntou como fazer para ficar melhor artisticamente em menos tempo? Quais as técnicas de estudo, utilizadas por quem já chegou lá, para acelerar seus processos de aprendizado? E como você pode aplicá-las em sua evolução?
Já antecipo que não existe fórmula mágica e o que vamos discutir neste post é exatamente o contrário do que muitos chamam de "atalho". Deste ponto de vista, este texto pode ser considerado até uma continuação da nossa conversa sobre o que fazemos não ser só um desenhinho. Para quem não leu este outro post, pode fazê-lo clicando aqui.
Em nossa análise utilizarei principalmente dois vídeos do canal do Youtube do artista Anthony Jones que resumem e ilustram muitas ideias que acredito sobre a evolução artística.
O primeiro deles é este acima, com um título quase tão sugestivo quanto o deste post, "Atalho para se tornar um artista fantástico". Nele, Anthony Jones discute uma pergunta que sempre o fazem, de quais estratégias ele utilizou e utiliza em seu desenvolvimento. Farei algumas traduções e interpretações, não me preocupando em ser completamente fiel ao texto original.
Para AJ, a realidade é que não existe um atalho. A melhor resposta é na verdade trabalho duro. Esta é a forma mais rápida e confiável de se tornar um bom artista.
As pessoas normalmente se questionam neste momento, "ok, sei que tenho que trabalhar duro, mas o que tenho que fazer?", e este é o ponto. Quando você está trabalhando duro você tentará de tudo para melhorar. É estar constantemente estudando, se questionando e tentando se tornar um artista melhor.
Existem formas eficientes de se trabalhar, como discutiremos na segunda metade deste post, mas na opinião dele não existe uma forma melhor de trabalhar duro. Também existem métricas sobre o quanto você deve trabalhar, como a regra das 10 mil horas, que já discutimos neste outro post, porém não é sobre isso que ele fala no vídeo. A ideia não é discutir o como, mas sim questionar o conceito e motivá-lo a trabalhar duro.
Vamos então começar desconstruindo o que é um bom artista. Normalmente, as pessoas associam qualidade a talento. Quando você faz algo melhor que alguém, é porque você tem um talento. Mas o que é talento? Segundo a definição do vídeo, talento é uma habilidade ou aptidão natural.
Segue a definição do dicionário Michaelis por curiosidade:
talento1
ta.len.to1
sm (lat talentu) 1 Antigo peso e moeda dos gregos e romanos. 2 Grande e brilhante inteligência. 3 Agudeza de espírito, disposição natural ou qualidade superior. 4 Espírito ilustrado e inteligente; grande capacidade. 5 Pessoa possuidora de inteligência invulgar. 6 Força física; vigor.
Muitas delas se correlacionam diretamente com a definição do vídeo. Mas o que é habilidade? E como ela pode ser inata?
aptidão
ap.ti.dão
sf (lat aptitudine) 1 Qualidade que faz com que um objeto seja apto, adequado ou acomodado para certo fim. 2 Suficiência ou idoneidade para obter e exercer um cargo ou emprego. 3 Capacidade para alguma coisa; disposição, habilidade, talento. 4 Psicol Capacidade natural de adquirir conhecimentos ou habilidades motoras, gerais ou específicas, e que se caracteriza segundo o rendimento dessa aquisição.
habilidade
ha.bi.li.da.de
sf (lat habilitate) 1 Qualidade de hábil. 2 Capacidade, inteligência. 3 Aptidão, engenho. 4 Destreza. 5 Astúcia, manha. sf pl Exercícios ginásticos de agilidade e destreza.
A palavra aptidão na definição do dicionário tem muito mais correlação com questões naturais do que habilidade. Esta segunda remete mais a um estado adquirido. A capacidade de fazer algo bem, como diria o vídeo.
Existe quem tenha habilidades naturais diferentes de outros? Com certeza, não estou aqui para questionar que todos nascemos diferentes e alguns serão mais compatíveis com certas atividades, seja por características físicas, mentais, psicológicas ou sociais.
Mas mais do que habilidade, um bom artista se aproxima mais do conceito de perícia, ou do inglês expertise, que é a proficiência, ou pelo vídeo conhecimento ou habilidade de especialista em um campo específico.
perícia
pe.rí.cia
sf (lat peritia) 1 Qualidade de perito. 2 Destreza, habilidade, proficiência. 3 Dir Exame de caráter técnico, por pessoa entendida, nomeada pelo juiz, de um fato, estado ou valor de um objeto litigioso. P. grafoscópica: a que se efetua por comparação de letras.
Você não será contratado porque nasceu com um talento, uma aptidão, mas sim porque é especialista em alguma atividade e gerará valor para a empresa através da mesma. Seja qual for o campo, ilustração, design, modelagem 3D, você não só sabe executar sua atividade com eficiência e qualidade, mas também sabe discutir sobre certo assunto, criticar trabalhos de pessoas próximas e descrever seu processo criativo. E isso não é fácil. Ninguém nasce sabendo modelar no Maya, ou pintar no Photoshop, essas são coisas que você aprende e para as quais deve praticar muito.
Para AJ, suas palavras prediletas neste contexto são industrious e diligent, cuja tradução literal é industrioso e diligente, palavras que não estavam no meu vocabulário por sinal.
Na pesquisa dele, industrioso seria trabalhar energeticamente e de forma devotada, trabalhar duro, ser diligente.
Seguem abaixo as definições do dicionário para fins de comparação.
esforçado
es.for.ça.do
adj (part de esforçar) 1 Diligente. 2 Denodado, valente. 3 Que não poupa esforços para o desempenho de suas tarefas. Antôn: displicente, fraco, negligente.
industrioso
in.dus.tri.o.so
adj (lat industriosu) 1 Que exerce indústria. 2 Hábil. 3 Executado com arte. 4 Astucioso. 5 Astuto.
diligente
di.li.gen.te
adj m+f (lat diligente) 1 Que tem diligência; zeloso, cuidadoso. 2 Ativo, pronto, rápido. 3 Vigilante, atento. 4 Aplicado, trabalhador. Antôn (acepção 2): indolente, moroso.
Ele prefere muito mais ser chamado de industrioso do que de talentoso. Trabalhando de forma energética e proativa para atingir um objetivo.
Em contraponto, vamos discutir o que o trabalho duro não é:
- Trabalho duro não é fácil
- Trabalho duro não é sempre divertido
- Trabalho duro não gera recompensas imediatas
Se fosse fácil, você não estaria trabalhando duro. Se fosse divertido, não seria trabalho. E se tivesse recompensas imediatas muitas vezes você perderia força na busca das grandes recompensas. Se fosse fácil, todos saberíamos anatomia, por exemplo.
A chave é sermos resilientes, persistentes frente aos diversos problemas que encontraremos. frente aos obstáculos e não ceder às pressões. Seja resiliente até que se torne mais fácil, seja resiliente até que se torne mais divertido e seja resiliente até que se torne mais recompensador.
E por experiência própria e de muitos artistas que ouvi, realmente com o tempo a prática se torna mais prazerosa, os obstáculos e questões técnicas se tornam menos presentes e todo um novo universo de possibilidades e aprendizados se abre em seu caminho.
Na história da arte e da música existem diversos exemplos de artistas que foram considerados gênios e prodígios, mas onde também encontramos muito trabalho duro por trás das grandes conquistas. Ele usa os exemplos de Mozart e Leonardo da Vinci.
Mozart nasceu em um ambiente de prática musical constante, sendo seu pai, Leopold Mozart, também um grande compositor, e sua irmã também estudante de música. Minha busca não foi extensiva sobre este assunto, porém as fontes que consultei citam que em sua infância passou por um rigoroso regime de treinos imposto por seu pai, que via nele um milagre divino que deveria ser explorado.
Leonardo da Vinci também é um exemplo de perseverança, pois seus resultados expressivos apareceram após décadas de estudos e dedicação. Um vídeo muito interessante sobre o assunto é este aqui ao lado.
Entrando no mundo dos esportes, AJ usa o exemplo do jogador de basquete Kobe Bryant para analisar o conceito de trabalho duro neste contexto.
Segundo um artigo que AJ leu, no início de sua carreira, ele tinha resultados que não eram muito expressivos, porém ele praticou muito para atingir o nível da NBA. Ele chegava às 5 da manhã para treinar e ia embora às 19h. Um de seus treinos era arremessar até ter acertado 400 cestas, não importa quantas tentativas levasse. Ele treinava mesmo nos dias de jogo e assistia filmagens de suas jogadas durante os intervalos, buscando melhorar pontos e voltar para a segunda metade com uma estratégia ainda mais eficiente. Durante a temporada da NBA, ele ainda treinava 4 horas por dia. Imagine fazer isso durante uma década.
O que ele quer dizer com isso tudo é que Kobe Bryant não só nasceu com a altura e tipo físico certos, mas também com a paixão pelo basquete e a determinação de se tornar cada vez melhor. Não interessa tanto para ele a NBA ou qualquer outra coisa, a intenção é ficar melhor neste esporte.
O fato dele jogar muito melhor que os outros tem muito mais a ver com sua ética de trabalho do que com sua altura. Se qualquer um de nós tivesse treinado o tanto quanto ele, seríamos muito bons em basquete, realmente muito bons. O melhor do mundo? Talvez não, esta é uma questão que precisaria de muitos outros fatores, mas dentre os melhores com certeza.
Existe um outro vídeo muito bacana do modelador brasileiro Rafael Souza sobre o tema, vale a pena conferir aqui ao lado. Mais uma vez a questão de talento surge como ferramenta para o desenvolvimento de uma habilidade, pré disposição natural para a mesma.
Para resumir e concluir, Anthony usa a sigla CPR, que em português estaria mais para EPR:
- Escolha especificamente quem você quer se tornar
- Prepare-se para focar e trabalhar duro
- Resiliência é sua melhor aliada e em quem você deveria confiar
Pare de dar desculpas para não trabalhar duro e comece a trabalhar duro. Todos os grandes artistas que ouvi até hoje trabalharam duro para chegar onde estão e continuam se esforçando para atingir níveis ainda mais altos.
Mas como trabalhar duro de maneira eficiente? Em outro de seus vídeos, Anthony Jones discute o conceito de Estudo e como distingui-lo da cópia. Segue o vídeo para que possamos discutir:
O que é realmente estudar? Como aprender um assunto de forma a poder utilizá-lo novamente no futuro? Muitas vezes, apesar de entendermos que temos que trabalhar duro, focamos os esforços de forma equivocada, perdendo energia em atividades que não gerarão a evolução artística que desejamos. Mais uma vez, vamos começar pelas definições, primeiramente segundo AJ:
Estudo
- Dedicar tempo e atenção para adquirir conhecimento em um tema acadêmico, especialmente através de livros.
- Uma investigação detalhada e análise de um tema ou situação
E segundo o dicionário Michaelis, temos o seguinte:
estudo
es.tu.do
sm (lat studiu) 1 Ação de estudar. 2 Trabalho ou aplicação da inteligência no sentido de aprender uma ciência ou arte. 3 Aplicação, trabalho do espírito para empreender a apreciação ou análise de certa matéria ou assunto especial. 4 Ciência ou saber adquiridos à custa desta aplicação. 5 Investigação, pesquisa acerca de determinado assunto.
Estas definições resumem bem o que realmente deveria ser o estudo. Você deve ter um tópico específico a ser estudado e investigá-lo e analisá-lo de forma exaustiva. É a aplicação de inteligência e trabalho para a obtenção de um conhecimento específico.
Porém, em artes, principalmente as visuais, acabamos tendendo para a segunda palavra que aparece muito neste contexto, Cópia. Talvez isso seja um reflexo da nossa forma de aprender em outros campos, onde decorar muitas vezes é a estratégia de ensino escolhida. Vamos à mais definições. Segundo o vídeo:
Cópia
- Algo feito para ser similar ou idêntico a outra coisa
- Unidade de um determinado livro, álbum ou outra publicação
Segundo o Michaelis, temos:
cópia
có.pia
sf (lat copia) 1 Reprodução textual do que está escrito algures; transcrito, traslado. 2 Imitação, transcrito, calco ou reprodução de uma obra original, tal como escrito ou impresso, gravura, pintura, estátua, vestido, móvel, filme cinematográfico etc. 3 Reprodução fotográfica. 4 Reprodução de uma escrita datilografada, produzida mediante papel-carbono. 5 Imitação, plágio. 6 Pessoa ou coisa semelhante a outra. 7 Abundância, grande número, grande quantidade.
Percebe que em nenhum momento se questiona a análise ou uso de inteligência durante este processo? Na definição do Michaelis é citado até o uso do papel-carbono, que para quem não conhece é uma forma de "copiar por cima" ou "traçar", o que define e provoca que é um processo de "simples" reprodução, imitação e não de geração de conhecimento.
No contexto artístico, AJ ilustra os conceitos com algumas imagens. Primeiramente, ele utiliza esta imagem abaixo para demonstrar o que seria uma cópia, isto é, uma tentativa de reprodução do original.
Não entenda que esta é uma prática fácil, porque não é e existe valor nela, como desenvolvimento da percepção de shapes, valores, cores e bordas por exemplo, porém muito pouco do conhecimento será realmente absorvido e muito menos replicado para outros contextos.
Percebi muito isso durante o meu próprio desenvolvimento artístico, em que copiei muito, por anos, chegando a resultados bem interessantes de reprodução porém sem conseguir replicar o que aprendi para outros trabalhos e principalmente criações próprias.
A segunda imagem que ele apresenta é esta abaixo. Nela, ele sugere um exemplo possível de análise a ser feita em uma obra como esta de Sargent.
Dentre os pontos que poderiam ser estudados na mesma estão: distribuição e gama de valores, distribuição e gama de cores, composição, gestual, shapes utilizados para resolver partes específicas como anatomia e drapeado, sugestão de materiais, contrastes, paleta reduzida, bordas e as relações entre elas, uso da tinta, dentre muitos outros. Depende muito mais de qual questão você está tentando responder do que o que você consegue extrair da peça. Você pode passar horas analisando sem ao menos começar a desenhar ou pintar.
A cópia faz parte desses estudos? Também, mas tem que ser uma ferramenta para o processo de análise, com algum racional por trás e não puramente reprodução pixel a pixel ou centímetro a centímetro do que se vê no modelo.
Fazendo analogia com os esportes, é o mesmo que você querer levantar peso simplesmente copiando os movimentos de um levantador olímpico. Você não terá força suficiente e simplesmente falhará quando for fazer sozinho. Para atingir os resultados, você terá que passar por um processo de treino e aprendizado no mínimo semelhante ao que os atletas que você segue passaram. E você pode começar desconstruindo os movimentos que eles fazem, as forças envolvidas, preparo físico, etc.
É interessante o uso de exemplos de atletas pois é muito difícil encontrar alguém que conteste que para um atleta de alta performance chegar onde chegou houve muito esforço, treino, aprendizado e superação. Em arte não deveria ser diferente e você não deve pensar assim também. Não é só um desenhinho!
Mais uma vez, ele utiliza uma sigla como ferramenta de ensino, ASAP (usada também no inglês para "as soon as possible", ou o mais rápido possível), que em português seria AEAP:
- Analise o problema
- Especifique e depois estude
- Aplique o que aprendeu
- Pratique
Primeiramente encontre um problema, por exemplo sou ruim em cores. Depois especifique exatamente o que em cores você quer aprender, por exemplo o uso de complementares. Aí então estude casos de sucesso do uso de complementares, em diversos contextos, em diversos materiais, em diversas épocas. Uma vez que o conhecimento tiver sido adquirido, aplique para testar o que você realmente absorveu a ponto de replicar. Por fim, pratique muito.
Uma vez terminado o processo, repita para outro problema!
AJ dá outro exemplo falando de anatomia. Se você pensar que não sabe anatomia, o universo de coisas para aprender pode ser assustador. Tente então focar em um tópico específico, por exemplo braços. Mas o que no braço? Um dos elementos do braço é o deltoide e sua conexão com o bíceps, por exemplo. Você analisa, analisa e descobre que uma parte no centro do deltoide fica um pouco mais largo, por exemplo. Uma vez aprendido isso, você pode começar a aplicar em suas artes. Pratique bastante para fixar o conteúdo, questionando sempre o que você realmente aprendeu e depois repita para outro problema!
Mais alguns exemplos muito interessantes do Rafael Souza sobre estudo:
É o mesmo que tento fazer aqui no blog, desconstruindo estudos específicos e tentando direcionar para os melhores materiais, porém este tem que ser uma busca individual de cada um. Por exemplo, se você quer fazer desenhos tridimensionais, comece colocando uma caixa em perspectiva, como discutimos neste outro post. Será difícil o suficiente, eu garanto. Depois experimente desenhar sem o uso de ferramentas de perspectiva, imaginando em sua cabeça os grids. Não subestime o poder que a prática do simples tem em melhorar seus trabalhos.
Stan Prokopenko também fez um vídeo muito interessante sobre a prática consciente como o segredo para se tornar melhor mais rápido. Este vídeo tanto complementa quanto reforça o que foi discutido por Anthony Jones.
Para ele, você deve fazer 3 passos e repeti-los constantemente:
- Faça um erro
- Analise o erro
- Redesenhe
É muito mais interessante você buscar erros em um desenho e refazê-lo inúmeras vezes para corrigir do que fazer inúmeros desenhos repetindo os mesmos erros. Se isso significará apagar ou simplesmente refazer, tanto faz, a ideia é buscar o conceito. Discuti neste outro post a importância do desenho a caneta e sua natureza imperdoável, vale conferir também.
E para encontrar os erros, nada melhor do que o processo de estudo sugerido por Anthony Jones, onde você irá aos poucos absorvendo mais conhecimento e aguçando a percepção.
Não estou dizendo para ficar em um só desenho até que este esteja correto, pois este processo o deixará desmotivado. Seja equilibrado, busque corrigir seus trabalhos, mas busque ferramentas para manter-se motivado o suficiente para continuar sempre praticando, aplicando, analisando e corrigindo. Em outro post discutiremos especificamente a motivação e ferramentas para aumentá-la.
Gostou deste conteúdo? Compartilhe com os amigos através do botão de Share logo abaixo do post! Se inscreva também na lista de e-mails e na página do Facebook para ficar por dentro de todas as novidades!
Muito obrigado por acompanhar e bons estudos!