Melhorando sua Arte através do Olhar Crítico (parte 1/2)

Este provavelmente foi o post mais informativo que já escrevi, e também mais em linha com o que busco neste site. Vou discutir o desenvolvimento do olhar crítico através da tradução e análise de trechos do vídeo abaixo, publicado (em inglês) por Scott Robertson (leia mais sobre ele aquiem seu canal do Youtube:

Olhar crítico, segundo ele, é a habilidade de criticar não só o seu próprio trabalho, visualizando o que pode estar errado e/ou o que pode ser melhorado, mas também criticar o trabalho de outras pessoas, desenvolvendo um olhar para estilos, conteúdo e adequação a projetos comerciais e pessoais. Este conceito, segundo ele, tem uma aplicação muito mais ampla, abrangendo diversas áreas profissionais, mas como o foco do vídeo e do blog são desenho, pintura, ilustração e concept art, vamos nos restringir a estes campos.

Ele divide o processo de desenvolvimento em duas situações distintas, dentro de um ambiente controlado, um curso como os do Art Center College of Design (onde ele estudou) e na condição de auto didata e/ou daqueles que não frequentam cursos superiores.

Com relação a primeira, não falta experiência para Scott ao analisá-la, tendo sido professor e posteriormente diretor do curso de Entertainment Design do Art Center.

Photo © Steven A. Heller/Art Center College of Design

Photo © Steven A. Heller/Art Center College of Design

Nesta situação, um grupo de alunos é reunido para aprender sob a tutoria de professores. Estes alunos tem interesses semelhantes e em casos como o do Art Center foram selecionados através de avaliações de portfolio para estarem ali, o que os deixa ainda mais parecidos e aptos a se desenvolver. Também é possível generalizar uma dedicação acima da média por parte destes, sendo incluídos até fatores financeiros para tal dedicação.

Os professores destas escolas, muitas vezes são profissionais atuantes no mercado e desenvolveram ao longo de anos seu olhar crítico para discutir e avaliar os trabalhos dos alunos.

"Existe, então, um processo neste ambiente de sala de aula, onde um grupo de indivíduos, de mentes e objetivos semelhantes, irá aprender muito uns com os outros, compartilhando idéias, dificuldades e soluções para os problemas."
Photo © Art Center College of Design

Photo © Art Center College of Design

Para entendermos melhor a dinâmica, ele diz que no Art Center uma disciplina prática padrão dura 14 semanas e tem a seguinte estrutura de atividades, repetida ao longo de todo o período:

  • Aula expositiva
  • Projetos e tarefas extraclasse
  • Apresentação dos projetos e tarefas para a turma
  • Crítica e avaliação dos trabalhos pelos instrutores

Neste momento, já fica visível um ponto importante que muitas vezes não está presente nas estruturas habituais, a apresentação dos trabalhos para a classe. Este é um momento importante onde, segundo Scott, "os alunos aprendem a falar sobre seus trabalhos, isto é, apresentá-los verbalmente além de pendurá-los na parede".

Mas a parte que ele considera mais importante é a crítica e avaliação dos professores, que têm experiência e o olhar crítico desenvolvido para sugerir o que deve ser alterado e melhorado nas peças. Com estas análises, os alunos vão aprendendo o que devem buscar em seu trabalho, conseguindo aos poucos a fazer críticas e correções sozinhos. Este processo é repetido inúmeras vezes ao longo dos 4 anos do curso, fortalecendo cada vez mais o olhar crítico de cada aluno.

O processo de desenvolvimento do olhar crítico, no contexto da arte representativa e para entretenimento, pode ser dividido três etapas:

  • Fundamentos artísticos
  • Estilo pessoal
  • Trabalho profissional

Os fundamentos artísticos, que ele chama de "habilidades", incluem desenho, construção de modelos, renderização, indicação de materiais, design, teoria do design, teoria das cores, história da arte, etc. Esta etapa de aprendizado dos fundamentos, irá tomar entre 2 a 2 anos e meio dos 4 anos de curso.

Uma vez que você já construiu uma base sólida, você inicia o processo de desenvolvimento do estilo pessoal, ou expressão/voz pessoal. Nesta etapa, que ocorre entre o terceiro e quarto ano de uma estrutura formal, você irá utilizar todo o conhecimento e olhar crítico desenvolvido anteriormente. Por se tratar de um ambiente educacional e de construção de portofolio, as análises e decisões serão ainda feitas do seu próprio ponto de vista, apesar do auxílio dos professores.

Quando você sai da faculdade, você não estará mais pensando e avaliando seu próprio trabalho, seu portfolio, mas sim como este irá se incluir nas restrições e objetivos, principalmente financeiros, do projeto em que está trabalhando. Agora você também deverá avaliar o seu trabalho do ponto de vista da percepção do cliente.

É visando esta complexidade que Scott diz que a "estrutura tradicional sempre terá relevância."

"Você não pode nunca subestimar o poder de um grupo de indivíduos com mentes semelhantes e um único objetivo e o quanto eles conseguem acelerar a curva de aprendizado por desenvolverem formas de se comunicarem entre si e desenvolverem seus olhares críticos. Este processo de amadurecimento sob tutoria de um instrutor experiente tem muito valor."

Por exemplo, no curso de Entertainment Design do Art Center, são 32 disciplinas de estúdio, isto é, disciplinas práticas de desenho, renderização, design, tipografia, construção de modelos, etc. Com alguns professores ensinando mais de uma disciplina, são aproximadamente 28 instrutores diferentes durante os 4 anos de curso, cada um com um olhar crítico maduro e profissional.

"Sem esta qualidade crítica muito alta, você pode começar a desenvolver hábitos ruins, aprender informações equivocadas e até piorar seu trabalho."

Ele frisa, finalizando a análise, que o desenvolvimento do olhar crítico leva tempo, então seja paciente!

Quanto ao desenvolvimento fora da estrutura formal, Scott diz não ter uma resposta certa. A explicação anterior mostra a complexidade do problema e replicar todos os processos necessários, grupo de indivíduos com mentes semelhantes e obstinados, críticas de qualidade e contato com inúmeros profissionais em um curto período de tempo, não é fácil.

Neste momento, queria fazer um parênteses para citar que uma vez conversei com o artista Houston Sharp, aluno do Art Center, e ele citou exatamente estes três elementos como os grandes diferenciais em se estudar em uma escola conceituada como esta, acrescentando também a forte cobrança e grande número e dificuldade dos projetos extraclasse.

Exemplo do trabalho do artista Houston Sharp para a revista 2DArtist de maio de 2014

Exemplo do trabalho do artista Houston Sharp para a revista 2DArtist de maio de 2014

Para não ficar muito cansativo, vou deixar a segunda parte da discussão para outro post, incluindo a continuação da análise do vídeo e um resumo os tópicos, possivelmente fazendo um paralelo com a situação nacional.

Vocês aprenderam tanto quanto eu neste post? Postem seus comentários aqui ou na página do projeto no facebook!

Muito obrigado por acompanharem!

Andrew Maximov e a beleza na arte representativa (parte 2/2)

Esta é a parte 2 da discussão iniciada neste post. Caso você não tenha lido o primeiro post, sugiro que o faça, pois darei continuidade a conversa sobre a mesma palestra que vimos no texto anterior Vou começar com um quote de Andrew Maximov no vídeo, segue link novamente abaixo:

"Em desenvolvimento de jogos, você escuta a expressão "plataforma alvo" ser citada constantemente. Para qual plataforma você está desenvolvendo? Esta pode ser PS4, PC, etc. Mas no final do dia, a plataforma para a qual deveríamos estar desenvolvendo é o cérebro humano, pois ele tem uma série de especifidades de como interpreta informações. Ele simplesmente não opera em um nível onde captura TODAS as informações visuais do mundo a sua volta, ele analisa e procura o que se sobressai, montando assim uma visão macro e preenchendo o resto dos detalhes. Isto é, o cérebro não está tentando compreender o mundo em sua infinidade de detalhes, ao invés disso está tentando desconstruí-lo e simplificá-lo. (...) Para um artista, isso é importante porque ao invés de encher o seu mundo com detalhes, você pode sugerir detalhes. (...) No final do dia, você não está tentando representar fielmente o mundo real, o que seria extremamente arrogante e demorado, mas sim suspender a descrença dos seus jogadores para que eles possam aproveitar a experiência que você lhes está apresentando."

Na sequência ele apresenta um exemplo do diretor de arte da Naughty Dog, Robh Ruppel, com a imagem abaixo:

É perceptível o nível de realismo da imagem, se aproximando até do fotorealismo. Porém na verdade, quando olhada de perto a imagem se mostra muito mais simples. O que faz com que ela pareça realista é a colocação de cores e valores em seus lugares e intensidades corretas e usar alguns artifícios de composição para detalhamento e sugestão. A imagem abaixo mostra um pouco do processo:

Robh Ruppel tem um livro muito interessante sobre o assunto de simplificação para o qual certamente farei um post exclusivo a respeito, porém por hora segue a referência:

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Nas palavras de Maximov, é neste momento que vemos um exemplo onde "o resultado é superior a soma das partes. E é isso que a arte pode ser, deveria ser, se você quiser ser eficiente no que faz."

Outro exemplo dado por ele é o da imagem acima, qual jogo foi lançado primeiro?  É notável que o jogo da direita, de 2007, pelo menos nesta cena, é visualmente mais impactante do que o jogo de 2011 (esquerda), sendo que para o desenvolvimento de jogos 4 anos fazem uma incrível diferença em força de processamento e quantidade de detalhes.

Na sequência, ele entra especificamente no contexto dos jogos e de estúdios de jogos, com os três recados da imagem abaixo:

  • Desenvolva todos os seus artistas para que eles consigam trabalhar numa visão macro
  • Construa seu jogo em torno da Beleza
  • Remova do caminho o trabalho que contribui minimamente

Com relação aos dois primeiros, ele frisa o fato de que artistas com maior capacitação artística irão produzir resultados melhores e poderão contribuir para uma visão mais focada na beleza e não no puro detalhamento. Se o seu modelador, além de modelar um barril, também souber trabalhar a composição das cenas, ele será peça fundamental para que o estúdio atinja resultados excepcionais.

Um exemplo dado por ele de pensamento voltado para a Beleza foi da série de jogos Uncharted, onde foi utilizado o conceito de Color Script. Neste a paleta de cores de cada cena era pensada e testada anteriormente através de pinturas, de acordo com o clima que gostaria de ser gerado. Os artistas de produção trabalhavam, então, em consonância com esta diretriz, contribuindo para o resultado final do jogo.

Para o último ponto, ele dá três sugestões para que isso seja possível: Modularizar, Terceirizar e Automatizar processos. Seria possível assim ter equipes menores e mais especializadas artisticamente. Talvez isso não seja possível para todos os estúdios, mas certamente muitos já estão partindo para este formato.

"Faça mais com menos! Especialmente se menos é tudo que você tem."

Ele cita o game Journey, que quando saiu fez muito barulho com relação a seu visual, porém os modelos utilizados são extremamente simples. Neste caso, a direção de arte bem pensada e trabalhada fez toda a diferença frente a gigantes AAA como Call of Duty, onde a produção de todos os assets foi a parte mais cara. A imagem abaixo ilustra esta questão:

Para finalizar, ele deixa o questionamento:

"Quando você for capaz de produzir qualquer coisa, como você poderá garantir que algo que fizer ficará realmente belo a menos que você se dedique especificamente para atingir este resultado?"

Este é um tema que vale muito a discussão, principalmente de como está estruturado o desenvolvimento de jogos atualmente no Brasil, tanto em termos de produção quanto em termos de educação.

Com cada vez mais cursos sendo criados sobre o assunto, sinto a falta, principalmente no âmbito artístico, da especialização e do estudo do que tem sido feito de melhor no mundo. A regra é a generalização e a criação de mais e mais títulos quase que por tentativa e erro. Estamos formando críticos e não força de trabalho. Assim, muitos projetos são iniciados, mas, sem planejamento, estruturação e capacidade de execução devidas, poucos chegam a ser finalizados a ponto de concorrerem com o mercado internacional. O que está faltando? O que podemos fazer para mudar? Será só questão de tempo? Eu, particularmente, acredito que seja necessária uma mudança estrutural, mas ainda não tenho uma opinião completamente formada sobre o tema.

Prometo estudar mais e discutir mais profundamente em outros posts. Fiquem a vontade para dar palpites e comentários sobre o que acham e o que deveríamos discutir.

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Muito obrigado por acompanhar!