Retrospectiva ICONIC (parte 1/2) - Ouvindo sua voz interior e expressando no papel o que ela tem a dizer

Como era de se esperar, assisti todas as palestras que consegui do ICONIC - I Congresso Nacional de Animação e Concept Art. Foi fantástico! Acredita que já se passou um mês?

Queria primeiramente (e finalmente) parabenizar o grande Henrique Lira e toda sua equipe pelo primoroso trabalho de apresentação do site e de todos os materiais, conteúdo geradoescolha dos palestrantes, edição dos vídeos, organização, pontualidade e acima de tudo humildade e tesão pelo que estava fazendo.

Conheci o Henrique recentemente, mas ficou bem transparente os momentos nos quais ele estava nervoso e apreensivo, parte presente em qualquer projeto (me sinto assim toda vez que vou apertar o publicar em um novo post, imagina ele ao vivo para 1700 pessoas), mas também pelos momentos onde ele demonstrava intensa alegria e empolgação ao receber convidados e discutir os assuntos que ele ama.

Mais uma vez, parabéns e espero que o evento tenha sido um sucesso também de vendas e que você esteja guiando muitas pessoas na evolução artística!

Para quem não assistiu as palestras e quer entender o que aconteceu, dê uma olhada no cronograma do evento e veja quem são os palestrantes e sobre o que falaram.

Tentei neste post, resumir brevemente os pontos que achei mais importantes de todas as palestras, principalmente do ponto de vista da evolução artística, que é o foco deste site. Em uma visão macro, existem três pontos que quero usar para dividir minha análise:

  • Voz
  • Fundamentos
  • Prática

Como foram muitas palestras, dividiremos o assunto em duas partes, sendo neste primeiro post discutida a Voz e em um segundo momento os Fundamentos e a Prática.

Voz

O que quero dizer com Voz? Muitos dos palestrantes discutiram e enfatizaram a busca pelas paixões mais interiores, as dúvidas, convicções, virtudes e fraquezas. E também em como colocá-las para fora, tanto ao comunicar algo para seu público através de sua arte, quanto para guiar sua trajetória artística, ouvindo também o que essa voz interior tem a dizer para você.

Acredito que este seja um tema muito amplo e que para podermos focar também irei dividi-lo em tópicos específicos.

  • Propósito
  • Intenção
  • Comunicação

Primeiramente, o que chamarei de Propósito, que é realmente sua voz interior, o que você tem a dizer para o mundo, quais são suas paixões, frustrações e opiniões.

Uma vez descoberto tal propósito a ser discutido na arte, devemos entender como falaremos a respeito desse tema, a forma de falar com quem for ver sua arte. Os fundamentos, a parte prática, como disse, serão discutidos no próximo post, aqui queremos focar no que chamarei de Intenção ao produzir uma peça.

Por fim, vou incluir nessa discussão a voz "física", sua Comunicação direta com as pessoas, colegas de estudo, pessoas do dia a dia e principalmente clientes.

Propósito

Propósito para mim engloba muitos aspectos, desde como você se vê perante a sua arte, como você se relaciona com a evolução artística até o que você diz através de suas peças. Inclui conceitos como instrospeção, pesquisa, paixões e motivação.

O que você realmente quer fazer? Quais são suas paixões? O que você tem a dizer para o mundo? Já parou para pensar?

Quero usar uma parte da palestra do Rael Lyra, concept artist do estúdio Volta, como base para nossa conversa. Ele falou bonito sobre o tema, sugerindo que a busca da voz interior, foco e de restrições para o seu trabalho é muito importante.

Arte de Rael Lyra

Arte de Rael Lyra

Primeiramente, ele apresentou o que chama de "restrições". Isto é, você deve encontrar um escopo restrito no qual irá focar sua atenção. E esse escopo tem muita conexão com aquilo que você realmente gosta de fazer e o que quer de fato comunicar através do seu trabalho.

"Entenda quem você é e que não precisa ser todo mundo!" - Rael Lyra

Anthony Jones em sua palestra também disse algo semelhante,

"Be honest! Do something you love!" (Seja honesto! Faça algo que você ama!)

Acho importante fazer um parênteses e reforçar este ponto. Acho que falta muita honestidade em nossas vozes. Seja consigo mesmo, com pessoas próximas ou clientes, estamos muitas vezes tentando tirar proveito, geralmente financeiro, de situações. Também acho que falta honestidade com nossos trabalhos, seja na mídia, seja na temática ou na qualidade de execução. A quem você está tentando enganar?

Leo Matsuda também colocou que "se você quiser ser original, precisa entender quem é você!" e que deve segurar para sempre essa sua identidade.

Arte de Leo Matsuda

Arte de Leo Matsuda

Dessa forma, você estará cada vez mais conectado com sua arte. Rael sugere que você "entenda como suas vivências se traduzem na sua imagem". pois assim, "a arte se torna um tipo de extensão da vida".

Rael também complementa dizendo que  "quanto antes você entende o que gosta de fazer, menos você sofre". Pois existe muita frustração e dedicação no processo artístico e descobrindo sua voz. Você irá ter que recomeçar menos vezes.

Em contraponto, durante o evento André Forni levantou uma questão muito interessante dizendo que "a mudança faz parte da vida do artista"! E que devemos "aceitar essas indecisões e variações para que possamos viver mais felizes com nessas artes".

Arte de André Forni

Arte de André Forni

É interessante ver estes dois pontos e refletir um pouco sobre eles. Encontrar a nossa voz e o que queremos realmente fazer é algo que nos poupará muito tempo e esforço, certamente. Porém no mundo de hoje, com uma quantidade quase inconcebível de informações a disposição na internet, sentimos a necessidade quase constante de renovação, de buscar novos caminhos, de fazer coisas novas. É um "deficit de atenção" que poucos conseguirão escapar. E o Forni nos sugere que abracemos dentro do possível essa questão e tentemos absorver o máximo que pudermos e não nos sintamos culpados por não ter foco em alguns momentos. Eu passei e ainda passo muito por isso. Foi reconfortante ver que não estou sozinho. Obrigado Forni!

Por último, gostaria de acrescentar também um tópico de William Chamorro, que nos trouxe a pensar que aquilo que nos cerca pode ser muito mais interessante ou tão interessante quanto o que vemos atualmente no cinema e em jogos. Utilizar elementos de nossa cultura, incluindo fauna, flora e lendas regionais, pode ajudar a trazer a vivência, assim como novos ares a nossas obras. Ele nos sugeriu explorar a fauna brasileira e os mitos e histórias relacionadas a diferentes tipos de animais. Não precisa voltar necessariamente para o Saci, Mula-sem-cabeça e Cuca, é ter um pensamento muito pequeno com relação a nossa cultura, assim como o que a natureza tem a nos oferecer.

Arte de William Chamorro

Arte de William Chamorro

Saber usar essa voz diferente e aquilo que está próximo de nós ajudará tanto a fazer criações inovadores como buscar a real "originalidade" que o Leo Matsuda citou.

Intenção

Nesta segunda parte, quero discutir o contar histórias nas nossas imagens, uma vertente mais aplicada, porém sem tocar nos fundamentos artísticos como perspectiva, luz, cores e composição, por exemplo. Quero por outro lado trazer alguns pontos discutidos sobre o foco no contar histórias com as imagens e nas estruturas de storytelling que também são fundamentos muito importantes.

Como falamos no tópico anterior, temos que ser sinceros e honestos com aquilo que queremos dizer e isso tem que ficar claro em nossas peças artísticas. Hiro Kawahara em sua palestra falou muito sobre esse tópico, do quanto a idéia sempre deve vir em primeiro lugar.

"Mais sensação, menos precisão! Mais percepção, menos razão! Mais caminho, menos resultado!" - Hiro Kawahara

André Forni também reforçou a questão da intenção com a frase:

"As vezes a gente fica tão preocupado em como tocar o instrumento que acaba esquecendo da música!"
Arte de André Forni

Arte de André Forni

Em sua palestra, ele também sugeriu a quebra do processo de pintura em 5 etapas:

  1. Qual é a coisa mais importante a ser transmitida?
  2. Você está conectado a esta idéia em um nível pessoal?
  3. Pensar sempre no contexto.
  4. Pesquisar/Referências
  5. Pintar e ilustrar

Fica visível a importância da intenção, tomando pelo menos os três primeiros itens em sua íntegra. Mike Azevedo também fez um palestra inteira focando na intenção dentro de suas pinturas, na forma como utiliza e organiza os fundamentos técnicos a seu favor na hora de contar histórias, seja na composição, iluminação ou escolha das cores. Em suas palavras, "você pode, e deve, escolher o que vai mostrar e como vai mostrar. Dê ênfase!"

Em um nível mais aplicado, que faria parte dos itens 4 e especialmente 5 da lista do Forni, Fernando Peque e Carlos Luzzi sugeriram pontos bem interessantes.

Peque focou muito na simplificação, uma vez que falou principalmente de silhuetas, mas frisou o quanto a pose deve falar muito sobre a ação do personagem.  

Arte de Fernando Peque

Arte de Fernando Peque

Carlos Luzzi também reforçou a importância do storytelling frente aos aspectos técnicos. Falou que foi fazendo estudos de 1 minuto sugeridos por Shamus Culhane que começou a valorizar a intenção em suas poses. Achar a melhor pose para contar uma história depende de muita pesquisa e experimentação.

Arte de Carlos Luzzi

Arte de Carlos Luzzi

Com o tempo, a linha de ação do personagem e sua silhueta vão ficando cada vez mais claras e interessantes. Ele sugeriu para o estudo deste tópico o livro The Illusion of Life. Segue o link na amazon para os interessados:

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Ele também falou sobre estilização, mais uma vez frisando que esta vem de um processo de simplificação, de redução.

Leo Matsuda e Fabio Yabu falaram da parte estrutural de histórias, por trabalharem muito com roteiros tem uma formação muito sólida neste tópico.

Um ponto muito importante nesse quesito citado por eles e também por outros palestrantes é que para contar histórias temos que ter nossas vivências. Nas palavras de Robert McKee, roteirista citado em ambas as palestras, "as histórias são metáforas para a vida". Você pode conhecer um pouco mais sobre quem é Robert McKee no vídeo abaixo:

Foram sugeridos alguns livros interessantes para quem quer aprender storytelling com alguns dos melhores do mercado.

Comunicação

Por fim, a comunicação direta, seja com pessoas no seu dia a dia ou com clientes. Tenho percebido cada vez mais que a jornada artística bem sucedida, pelo menos nos dias de hoje, é baseada em comunicação, discussão e troca de experiências. Por isso, este último tópico é de extrema importância. Isso ficou claro em nossa discussão sobre o desenvolvimento do olhar crítico por Scott Robertson, leia mais aqui.

Anthony Jones disse "Learn other disciplines, be social", isto é, aprenda outra disciplinas, seja sociável. Ele também fala em seus workshops e palestras sobre a sinceridade, e a importância da comunicação com seu público na construção do artista que é hoje e da carreira que tem. Por exemplo, foi em seus streams e conteúdos que ele construiu uma grande base de fãs que depois o suportou em seu projeto pessoal, Heaven's Hell.

Arte de Anthony Jones

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Não existe muita fórmula para isso, é convivendo com pessoas que você sentirá o que é e o que não é bem vindo. E relações sinceras e com interesses semelhantes muitas vezes podem ter algumas peculiaridades que antes não funcionariam, por exemplo, contato exclusivo pela internet. Podemos muitas vezes ver e rever o que vamos comunicar antes de efetivamente apertar o botão de "enviar". O importante, como disse Anthony Jones, é manter a sinceridade e buscar agradecer e ajudar sempre que puder.

Rael Lyra nos provocou questionando como é nossa comunicação com os clientes, nossas relações com ele. Já parou para pensar nisso? E nesse contexto acredito que você deve se perguntar como é sua comunicação em geral, sua relação com aqueles a sua volta. Ela é construtiva? Ou destrutiva? Você é uma pessoa grata pelas oportunidades que aparecem ou sempre reclama do que não tem? Esta é uma provocação tanto para mim quanto para você, para que revisitemos a nós mesmos e nossa interação com os demais.

Este post no geral se baseou muito nisso, em quem somos e o que dizemos. Desde os aspectos mais profundos até os mais superficiais e cotidianos, tudo influencia a forma como nos vemos e como somos vistos pelos demais. Tome um tempo para pensar um pouco nisso!

Espero que você tenha gostado do evento e dessa breve retrospectiva que estou fazendo, foi tanto conteúdo que fica difícil organizar. Na segunda parte, como falei anteriormente discutiremos os conteúdos mais técnicos: Fundamentos e Prática.

PARTE 2 - Leia a segunda parte clicando aqui.

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