O prazer de se reconectar com a beleza do mundo, através do desenho, pintura e escultura
/Você já deve ter se perguntado ou te perguntaram se "essa história de desenho (ou pintura) vai dar em alguma coisa". Para que você está fazendo isso ou aquilo? "Vai fazer alguma coisa que dê dinheiro de verdade"!
Temos o hábito de pensar que toda atividade deve ter uma funcionalidade específica e principalmente estar atrelada a um retorno, ainda mais quando é algo que apresentará mais dificuldades do que recompensas (tangíveis) imediatas. Essa nossa busca incessante por produtividade, fama e dinheiro criou algumas aberrações comportamentais na sociedade moderna. Não vivemos mais nada de verdade, se é visual, gravamos, se é polêmico, compartilhamos, se é devagar, desistimos ou pulamos. Falta contemplação, falta questionamento, falta aprofundamento, falta paciência.
Nas práticas artísticas, onde tenho mais experiência e o tópico que é foco deste blog, é claro que nem sempre o rápido é o mais eficiente, nem sempre a quantidade é aliada da qualidade e nem sempre o valor financeiro gera mais resultados.
Esta última tem se mostrado verdade até no mercado de trabalho "convencional", onde, segundo Daniel Pink, especialista em motivação, o incentivo financeiro pode até piorar o desempenho ao invés de melhorá-lo. Em uma palestra dada por ele no evento TED, ele levanta algumas questões interessantes que quero utilizar para começar esta discussão. Antes de entrar especificamente nas questões artísticas.
No vídeo, que você pode assistir aqui ao lado, ele trabalha os conceitos de motivação intrínseca versus motivação extrínseca, muito discutidos atualmente nas universidades e artigos acadêmicos.
Ele também questiona o que é melhor: autonomia, domínio e propósito ou "cenouras", isto é, incentivos financeiros e materiais. Vale a pena assistir ao vídeo e questionar a forma como você está vendo sua carreira, sua evolução artística e sua vida em geral.
Mas o que o desenho tem a ver com isso? Vamos lá! De frente para uma pintura como essa abaixo, do pintor paulistano Alexandre Reider, praticamente todos concordariam com sua beleza, mas consigo imaginar os diversos questionamentos que surgiriam principalmente daqueles que não são artistas. Quanto tempo levou? Você vai terminar? Por quanto você vai vender? Ou ainda questionariam o motivo para se fazer uma pintura no local e não bater uma foto, principalmente se não for vender a pintura, afinal é muito mais rápido.
Neste post quero discutir tudo que acredito existir por trás de uma pintura como esta. Quero tentar analisar a intenção de desenhistas e pintores por trás de suas obras ao retratarem o mundo a sua volta. Só para constar, não sei quais eram as reais intenções do Reider nessa pintura, acredito que era uma demonstração de pintura plein air para um workshop, mas só estou usando esta pintura específica para tentar ilustrar um conceito.
Vou começar com um pedaço do livro The Practice & Science of Drawing de Harold Speed, que ainda quero discutir na integra aqui no blog (o artista James Gurney vem discutindo em seu blog, em inglês, cada capítulo deste livro em uma série chamada GJ Book Club, você pode acessar clicando aqui).
Segundo o autor, durante o desenvolvimento dos bebês, nos primeiros anos de vida, temos a tendência a utilizar o tato e a visão em conjunto para associar e aprender novas informações. Este fato fica muito visível nos desenhos infantis, que, segundo ele, se tratam muito mais de símbolos do que realmente de observação. Sentimos que nossa cabeça é redonda então desenhamos uma circunferência, o mesmo para os olhos, os cabelos são linhas finas saindo da cabeça, o nariz tem um formato levemente triangular e os dentes são quadrados um do lado do outro. Você certamente já viu um desenho como a imagem A abaixo, ou até mesmo desenha pessoas assim. Mas se desenhássemos o que realmente vemos, provavelmente sairia algo mais próximo da imagem B.
Ao longo desse desenvolvimento vamos começando a associar funcionalidades e símbolos para tudo que olhamos, distinguindo por exemplo uma superfície dura de uma macia numa fração de segundos. Outro exemplo que ele cita é como, em sua maioria, as pessoas só olham para as nuvens para saber se vai chover. Ou no máximo, quando vemos uma cena como a da imagem abaixo paramos para tirar uma foto.
O processo do desenho e da pintura, porém, nos abre uma janela para um mundo muito rico e muitas vezes inexplorado nessas interações rasas que temos no dia a dia. O mundo da observação detalhada e demorada da natureza e de tudo que nos cerca. Aprender a realmente ver e não somente olhar (ou fotografar).
Vale comentar que não estou desmerecendo fotógrafos sérios, estou somente criticando aqueles que priorizam a foto no lugar da experiência. A fotografia séria. em contraponto, busca transmitir da forma mais eficiente a experiência que se deseja passar do momento. Para isso, é necessário compreender tanto as técnicas de fotografia quanto decompor profundamente aquilo que se está observando e escolher e/ou valorizar os elementos que são mais importantes.
No desenho e na pintura não é diferente. Quando estamos aprendendo a desenhar, começamos normalmente pela cópia de fotos ou desenhos de outros artistas. Neste momento você já entra em contato com uma experiência diferente. Para fazer o desenho, você vai passar dezenas de minutos senão horas observando atentamente cada detalhe da imagem sendo desenhada, você começa então a notar uma série de detalhes, sutilezas e informações que não tinha percebido antes.
Seja qual for a técnica utilizada, seja pensando em caixas tridimensionais ou em formas bidimensionais, o que importa é a análise. Você está parando para analisar aquele assunto como nunca fez antes. Neste momento, acontece um fenômeno interessante, ou pelo menos comigo aconteceu, começamos a realmente prestar atenção e querer saber mais sobre os assuntos que estamos estudando, sejam quais forem. É nossa curiosidade e apreciação falando mais alto do que o objetivo ou resultado esperado.
James Cameron, diretor de Exterminador do Futuro 2, Aliens, Titanic e Avatar, contou, por exemplo, em uma palesta dada também ao evento TED, que sua carreira sempre esteve muito envolvida com sua curiosidade pela natureza. Que desde pequeno buscou conhecer mais sobre nosso planeta e que especialmente o fundo do mar o intriga muito, razão que o levou a dirigir Titanic, onde teria oportunidade de ver de perto o navio. Avatar não foi diferente, ele tenta mostrar muito do que tem aprendido com a natureza no mundo que criou para o cinema e que agora ganhará mais 3 continuações.
Mas não só de grandes produções ele fez sua carreira, no período entre o filme Titanic e Avatar, Cameron produziu uma série de documentários sobre o fundo do mar, sendo que muitos deles nem se pagaram com audiência, porém não era este o propósito. Cameron fez por curiosidade e pelo seu amor pelo desconhecido. Um exemplo é o documentário Deep Sea Challenge, no qual ele foi pessoalmente ao ponto mais fundo conhecido do oceano, sendo o primeiro e o único até hoje a chegar a tal profundidade.
Essa curiosidade conversa muito com a autonomia, domínio e propósito propostos por Daniel Pink. Uma vez que temos esta motivação intrínseca de buscar, conhecer, analisar e absorver profundamente estas informações (sejam elas visuais ou não), toda a jornada artística fica mais prazerosa e eficiente. Sempre bato na tecla de que o importante é nunca parar de estudar e acredito que motivações extrínsecas, como o dinheiro, apesar de terem sua parcela de importância também, não serão o suficiente para garantir esta busca constante.
Ao longo da evolução, os temas irão se transformando, do genérico para o específico, enquanto vamos querendo conhecer mais e mais das coisas que nos encantam. As questões também vão se aprofundando e dificultando cada vez mais. Simplificar é um dos processos mais complexos do mundo artístico, pois dizer muito com pouco exige que consigamos extrair a essência do que estamos vendo e tentando reproduzir ou representar. Essa essência, envolve muito de quem somos, como vemos e como nos sentimos, é nossa voz interior contando aos outros o que sentimos sobre o tema em questão.
Essa também é a beleza da arte, nossa forma única de ver cada elemento gera uma forma única de representar, mesmo que seja o mesmo objeto ou paisagem. Além disso, cada um de nós se interessará por assuntos diferentes e irá se aprofundar em níveis diferentes dos mesmos. E o que não falta é inspiração neste mundo em que vivemos.
Na sequência do post, quero apresentar exemplos de artistas atuais (ainda em atividade) que se aprofundaram nos mais diversos temas para fazerem sua arte, de paisagens naturais e animais ao corpo humano e a vida cotidiana nas cidades. Para cada tópico, tentarei cobrir uma gama ampla de materiais que vão desde o grafite, passando pelas tintas e massas até ferramentas digitais.
Paisagens naturais
A natureza certamente é o melhor ponto de partida, rica em sua beleza, variedade e mistério, não é preciso ir longe para encontrar algo interessante e que merece ser retratado. Inúmeros artistas se inspiram por suas formas e cores. Seguem alguns exemplos:
Veja abaixo como não só de métodos tradicionais se extrai uma boa pintura, esta feita por Shaddy Saffadi é totalmente digital.
A vida animal
Os animais também são fontes interessantíssimas de inspiração para artistas. Eu particularmente me identifico muito com o estudo e desenho destes que dividem o planeta conosco. Seja na sua pura representação, como nestes exemplos abaixo, ...
... ou no estudo aprofundado de sua anatomia e comportamentos, como estes outros exemplos. São fantásticas as semelhanças e diferenças anatômicas de cada animal em relação a nossa própria anatomia,
Seja na escultura tradicional como da figura acima, de Alex Oliver, ou digital como esta abaixo de Steve Lord, os animais também são constantemente retratados.
Neste clima, um belo vídeo de Aaron Blaise incentivando-nos a sair de nossos estúdios e viver nossas vidas. Vale conferir:
Mas caso você não consiga sair de casa, existe uma infinidade de documentários muito interessantes para se explorar a vida animal e os ambientes naturais do nosso planeta. Sugiro como exercício assistir aos mesmos desenhando em seu sketchbook. Seguem alguns exemplos:
A figura humana
Este exemplo abaixo foi o que me deu a idéia para todo este post. Apesar de Bridgman não estar mais entre nós, tendo falecido em 1943, dedicou sua carreira ao estudo da figura humana. Sempre achei fantásticos seus desenhos de braços e mãos principalmente, mas foi só quando comecei a estudar anatomia que percebi que estava tudo lá, a anatomia do braço é aquilo que ele estava mostrando, só estava simplificado e levemente estilizado.
Ele analisou muito a funcionalidade de músculos e seus movimentos, criando uma extensa coletânea de livros sobre o desenho da figura humana, este ao lado é um exemplo e você encontra outros na categoria Livros do blog, clicando aqui.
Não importa se é a pura representação, o gestual, retratos ou anatomia, no desenho, pintura ou escultura, existem inúmeros bons exemplos de artistas utilizando a figura humana como inspiração e foco de estudo. Seguem abaixo inúmero exemplos em toda essa gama de temáticas e ferramentas:
A vida cotidiana
Mas não só de coisas exóticas conseguimos tirar beleza, uma natureza morta bem explorada, por exemplo, pode ser tão expressiva quanto uma bela paisagem. As nuances de luz, materiais, formas e volume são interessantíssimos de se estudar e apreciar, podendo ser tão complexos quanto as estruturas anatômicas humanas. Isso sem questionar a forma de representar, leitura da imagem, trabalho de bordas e outras técnicas complexas para as quais pode ser dedicada uma vida de estudos. David Leffel, autor da imagem abaixo, por exemplo, apesar de também ser retratista, dedicou boa parte da sua carreira a naturezas mortas.
Acontecimentos de nossa vida cotidiana também podem virar belas obras de arte, como é o caso desta representação de uma cozinha pelo aquarelista Joseph Zbukvic.
Paisagens urbanas
Nossas cidades são fonte de inspiração para muitos artistas que pegam seus cadernos e materiais e vão para as ruas retratar suas experiências. É o caso do grupo Urban Sketchers, por exemplo, que também tem uma versão brasileira, conheça o trabalho deles e se existe um grupo na sua cidade clicando aqui.
Este é mais um caso em que vemos uma infinidade de estilos, técnicas, materiais e pontos de vista. A temática também, varia de grandes vistas englobando vários prédios, como este desenho abaixo de Eduardo Bajzek, monumentos e prédios históricos, avenidas importantes, até casas e pequenas ruas e esquinas que tenham alguma beleza ou significado para o artista. Neste exemplos abaixo, vemos todas esta gama de temáticas, do desenho a pintura a óleo.
Por fim, deixo um documentário que mostra bem a diversidade de beleza em nosso mundo. Não quero aqui desmerecer o imaginário e fantasioso, mas sim levantar a bandeira que de existe muito a ser visto e apreciado neste mundo, só precisamos ter paciência, dedicação e curiosidade.
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