Criando Mundos - Como começar a construir o seu?

Neste post, quero discutir com vocês a Criação de Mundos, principalmente do ponto de vista do que podemos aprender com o nosso próprio mundo e a nossa história. Este post foi inspirado pelo vídeo ao lado, do grande Rafa Souza, que em uma conversa com um de seus alunos nos presentou com uma grande explicação sobre o poder do uso de referências na criação e também na motivação de estudantes e artistas profissionais.

Aprender a olhar para o mundo e tirar referências e inspirações é algo tão importante quanto aprender a desenhar em perspectiva ou a sugerir texturas na sua pintura. Além disso, acredito que pesquisar e aprender, principalmente assuntos que gostamos, está entre os aspectos mais importantes da motivação para produzir arte. Infelizmente, este é um assunto muito pouco abordado em escolas e que deixa alguns alunos perdidos no limbo do estudo dos fundamentos infinitamente. Seguem abaixo dois vídeos que surgiram também depois que assisti essa aula do Rafa, inclusive o segundo é uma entrevista com ele:

No primeiro vídeo, eu trouxe estes exemplos abaixo dos artistas James Paick e Robh Ruppel para o jogo Uncharted 2. As vezes, imaginamos que tudo que vemos em concept arts e ilustrações do mercado de entretenimento é totalmente da cabeça dos artistas, quando na verdade o contrário pode ser muito mais considerado verdadeiro. Cada vez mais, fica claro para mim que a imaginação e criatividade, como diria o livro Roube como um Artista, está mais ligada a quantidade e profundidade das fontes que você tem.

Arte de James Paick

Arte de James Paick

Arte de Robh Rupple

Arte de Robh Rupple

No caso destas imagens acima, muito da inspiração vem de templos do Butão, como este abaixo:

Convido vocês também a explorarem o local no Google Maps clicando aqui.

Outro conjunto de imagens que eu mostro no vídeo são estas abaixo, dos artistas Eytan Zana e John Park:

Arte de Eytan Zana

Arte de Eytan Zana

Arte de John Park

Arte de John Park

Neste caso, a referência são os templos do Cambodia, como neste vídeo abaixo:

Também convido vocês a visitarem este templo no Google Maps clicando aqui.

Nem sempre as referências são tão diretas, James Gurney fala em seu livro e vídeos que pega muitas informações e referências da vida real para suas criações, especialmente para o mundo do Dinotopia.

Neste vídeo ao lado, o artista apresenta muito da pesquisa que foi realizada, inclusive dando um exemplo interessante da primeira pintura realizada para o projeto, inspirada pelas Cataratas do Niagara e também pela cidade de Veneza, ele mistura as ideias em algo novo, voltaremos a discutir isso mais para frente.

Arte de James Gurney

Arte de James Gurney

Hoje em dia temos muitas informações a nossa disposição, podendo visitar virtualmente diversos locais do mundo. Um contra-ponto interessante é pegar o trabalho de artistas como os grandes Lawrence Alma-Tadema e Jean-Leon Gerome (conheça mais do trabalho dos artistas nos vídeos abaixo) por exemplo. Ambos fizeram ilustrações de períodos muito anteriores aos seus, imaginando momentos do cotidiano ou cenas épicas de períodos como a Grécia e Roma antigas, ou o Egito antigo, como veremos abaixo. Cabia a eles se inspirar nas informações que tinham a sua disposição, através da observação do mundo ao seu redor, pesquisas históricas e por vezes viagens, e também da criação em cima destas para imaginar novos mundos.

Este primeiro trabalho abaixo, em que um colecionador de arte avalia uma compra, é um dos meus preferidos do Alma-Tadema, onde ele conseguiu capturar uma cena tão importante para nós artistas e mostrar um ponto de vista diferentes das atividades realizadas no mundo antigo. Normalmente tendemos a enfatizar as questões mais épicas ou transgressivas da história, como passagens bíblicas, grandes figuras, batalhas, violência e até sexualidade, e nos esquecemos que pequenos acontecimentos também podem contar grandes histórias.

Arte de Lawrence Alma-Tadema

Não estou também desmerecendo os momentos épicos ou até de "proporções bíblicas" como esta imagem abaixo, por exemplo, datada de 1904, 8 anos antes da morte de Alma-Tadema, na qual ele retrata a apresentação de Moisés.

A pintura foi elaborada logo após a primeira visita do artista ao Egito, em 1902. Ele ainda pintou mais imagens com sobre este país antes de falecer, infelizmente deixando algumas ideias inacabadas.

Arte de Lawrence Alma-Tadema

A apresentação de Moisés é um tema bem recorrente dentre muitos pintores, como vocês podem ver neste link do Wikipedia. Também foi retratado de forma magnífica, na minha opinião, no filme Prince of Egypt, da Dreamworks. A história do Êxodo também inspirou um recente filme do diretor Ridley Scott. Seguem os vídeos de ambos:

Ok! Entendemos então que referências do mundo real são importantes para criar mundos imaginários e/ou históricos, porém quais são os elementos que precisamos desenvolver para criar um novo mundo, seja para um filme, animação, jogo, HQ ou até mesmo para uma única ilustração ou pintura?

The Skillful Huntsman e Imaginative Realism

Acredito que algumas das melhores fontes na literatura sobre o assunto, na minha opinião, são os livros The Skillful Huntsman, da Design Studio Press, e Imaginative Realism, de James Gurney. Seguem as reviews que fiz para estes livros:

O livro The Skillful Huntsman utiliza uma história de mesmo título dos irmãos Grimm como base para a construção de um mundo, que poderia ser utilizado no desenvolvimento de uma peça de entretenimento, como um jogo ou filme. Seguem os tópicos explorados capítulo a capítulo:

  1. Huntsman
  2. Travels
  3. Transports
  4. Forest
  5. Air Gun
  6. Giants
  7. Castle
  8. Guard Dog
  9. Princess
  10. King
  11. Captain
  12. Cook Hut

Se formos parar para pensar, conseguimos reduzir estes tópicos em 6 categorias:

  1. Personagens - Huntsman, Princess, Castle, Captain
  2. Acessórios/Armas - Air Gun
  3. Arquitetura - Travels, Castle, Cook Hut
  4. Vegetação e Relevo - Forest 
  5. Animais/Criaturas - Giants, Guard Dog
  6. Veículos - Transports (pode ou não envolver criaturas)

Coincidentemente, os temas abordados por James Gurney em seu livro, além de questões mais de processo da ilustração, são:

  • História e Arqueologia
  • Pessoas
  • Dinossauros
  • Criaturas e Alienígenas
  • Arquitetura
  • Veículos

Apesar de diferirem um pouco em suas abordagens, ambos dão panoramas muito interessantes da criação de mundos e seus elementos constituintes.

Neste momento, é importante lembrar que o Desenho, Perspectiva, Anatomia, Pintura Digital e outros tópicos discutidos profundamente aqui no blog, se tornam ferramentas essenciais para uma boa execução das criações, porém que podem ir sendo desenvolvidas em paralelo, juntamente a construção da famosa Biblioteca Visual que também já discutimos em posts aqui no blog e em vídeos do canal do Youtube como este acima.

É interessante relembrar também o que o artista e professor Feng Zhu diz neste vídeo abaixo, que inspirou muitas das nossas discussões sobre o tema.

Para ele, apesar de podermos sempre recorrer a referências, muitas das informações da Biblioteca Visual e também Funcional que vamos acumulando ao longo de anos vão nos trazer melhores resultados de design de forma racional e até perceptiva, através da aplicação intuitiva de shapes que vimos em outros contextos.

Isso não quer dizer que a utilização de referências não seja importante também para novos projetos, pelo contrário, através dessa exploração a cada projeto, vamos cada vez retendo mais informação. Para instigar e até guiar o processo criativo, ele da 8 sugestões de ferramentas muito interessantes que vamos discutir abaixo:

  1. Mix Familiar Surroundings - Misturar questões familiares em um tema novo, como pirâmides no gelo ou castelos em cachoeiras, sendo este último muito utilizado em arte para fantasia. No caso que vimos acima, do James Gurney, podemos pensar em misturar cataratas com a arquitetura e construção de Veneza.
  2. Play with Scale - Brincar com a escala dos elementos, sejam árvores gigantes como em Zelda, Ori and the Blind Forest ou Warcraft, ou em arquiteturas imponentes e inimigos gigantes, como em Shadow of the Colossus ou God of War.
  3. Apply Reskin - Colocar materiais diferentes em coisas que conhecemos, por exemplo robôs com o formato de insetos, como as mulheres aranha de Ghost in the Shell.
  4. Introduce or Remove Technology - Introduzir ou reduzir tecnologia, como por exemplo o gênero Steampunk, que tem questões bastante tecnológicas enquanto preserva visuais e até aspectos tecnológicos antiquados, ou como citado por Feng, imaginar um Japão que não tivesse tido contato com o mundo industrializado.
  5. Different Life Development - Mudar as regras naturais do mundo, seja na evolução, criando criaturas alternativas, como Terryl Whitlatch faz, ou questões ainda mais dramáticas como trazer algo natural para máquinas, como as fazendas de energia do mundo de Matrix.
  6. Alternate Functionality - Alterar a funcionalidade de coisas que conhecemos, como uma cidade dentro de um trem ou plataformas de petróleo que na verdade são arquiteturas medievais.
  7. Use Iconic Design Languages - Utilizar alguns movimentos de design, arte e arquitetura conhecidos para as suas criações. Alguns exemplos podem ser a aplicação de Art Nouveau em Naboo no Star Wars ou nos Elfos do Senhor dos Anéis ou Art Deco em Batman (Gotham) e nos Anões do Senhor dos Anéis.
  8. The Real World is Cool - Tem coisas que não precisamos nem alterar, talvez só valorizar um pouco mais ou até mesmo aplicar diretamente, sejam passagens da história, arquitetura, culturas, veículos, geografia, fauna, flora, assim como discutimos no vídeo no começo do post.

Existem muitos tutoriais que discutem estes assuntos, mas eu particularmente sempre foquei muito mais na técnica que eles estavam apresentando do que no pensamento por trás e cada vez mais eu percebo que a grande diferença está na bagagem e não na qualidade técnica (apesar desta também ser importante). Seguem alguns exemplos que tocam no assunto do design e referências, meu favorito é o Term 5 do Foundation Patreon:

Também estou implementando o mesmo conceito no Clube Brushwork Atelier. Vamos pegar uma lista de 7 temas e utilizá-los em ciclos de 10 semanas (incluindo aplicações em designs mais complexos e também peças mais finalizadas) explorando diferentes períodos históricos e temáticas reais para construir e fortalecer nossas bibliotecas visuais. Seguem os temas que escolhi:

  1. Móveis e Props
  2. Arquitetura Interior
  3. Vegetação
  4. Arquitetura Externa e/ou Elementos Urbanos
  5. Figuras - Roupas, Acessórios e Armas
  6. Animais e/ou Criaturas
  7. Veículos

A diferença para o que vimos antes é a inclusão de mobílias e props de ambientação, assim como a separação da Arquitetura em Interior e Exterior, algo que aprendi com as disciplinas do curso de Entertainment Design do Art Center no livro In The Future.

Também queria trazer alguns exemplos reais da criação de mundos. O primeiro caso é o do League of Legends, que teve seu mundo desenvolvido de forma mais tardia, uma vez que seus desenvolvedores quiseram focar muito mais na diversão e jogabilidade do que em restrições de história e de direção de arte. Neste vídeo abaixo, que apresenta o desenvolvimento de dois campeões, é citado no final que a quantidade de coisas diferentes dentro do jogo beira o desastre. É legal notar também a quantidade de referências utilizadas para a elaboração e todas as partes envolvidas.

Nos últimos anos, a empresa tem se esforçado em desenvolver todo um mundo e história por trás dos campeões, não necessariamente para impactar no jogo em si, mas para aguçar o interesse dos jogadores e da comunidade em torno do jogo, como explica um dos fundadores da empresa neste vídeo ao lado:

Este vídeo faz parte de uma série de diários de desenvolvimento com artistas, escritos e criadores de mundo que trabalharam no desenvolvimento de cada um dos ambientes do jogo. As artes criadas são fantásticas, vale a pena também explorar mais clicando aqui.

Outro vídeo interessante é este abaixo explorando a estética de um ambiente específico, Mount Targon:

Outra aplicação interessante em games é no cardgame Magic: the Gathering. Nesta palestra abaixo, da GDC, é discutida a criação de mundos na empresa e processos para conseguir entregar dois projetos por ano.

No universo do cinema, o termo relacionado a consistência visual do produto é Production Design. Dentro desta esfera, normalmente estão desde os concept artists até os set designers e artistas de pós produção e efeitos visuais, que irão aplicar a visão no produto real que aparecerá na tela. Seguem alguns vídeos interessantes que encontrei:

E também alguns exemplos reais:

Espero que este texto tenha ajudado a motivar um pouco mais os seus estudos, assim como abrir a cabeça para o que deve ser aprendido, estudado e explorado para a criação de mundos, sejam estes imaginários ou históricos. A palavra chave que gostaria que ficasse é curiosidade, para ver nosso mundo de uma forma diferente, se perder na beleza e profundidade da nossa história, se encantar com a diversidade de pessoas, culturas, espécies e geografias e utilizar toda essa bagagem para criar algo novo e inspirar pessoas a fazerem o mesmo!

Obrigado por ter lido!

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