Pintura Tradicional - Parte 1/2 - Importância, Processo, Pigmentos e Referências

Uma questão que vem me incomodando bastante nos últimos anos é um certo distanciamento que vejo entre artistas digitais e a prática tradicional. Tendo estudado tanto em escolas com maior ênfase no digital e também em ateliês tradicionais, além de conviver bastante entre artistas de ambos “os lados”, percebo que certas “panelas” se formam e que um fluxo que seria natural entre estes ambientes não acontece.

Muitos de nós, principalmente os nascidos depois dos anos 90, cresceram jogando videogames e assistindo à filmes, algo que com certeza teve forte influência no interesse pelas artes. Os quadrinhos também tiveram bastante influência em gerações mais velhas, mas tendo a dizer que isso vem diminuindo com o tempo. Começamos a estudar copiando nossos personagens preferidos, normalmente no papel, mas ao longo dos anos vamos nos aproximando cada vez mais do digital, afinal de contas é a mídia em que muitos dos produtos de entretenimento são consumidos e também produzidos.

Começamos no digital também experimentando e copiando nossos produtos e artistas preferidos. Aos poucos, vamos absorvendo mais informações, até que em certo momento, seja por influência de professores, artistas ou fazendo pesquisas como a sugerida neste vídeo ao lado, chegamos nos grandes mestres do passado e na importância do seu estudo para nosso desenvolvimento.

Começamos então a fazer cópias e mais cópias, os chamados Master Studies, buscando absorver pouco a pouco a percepção e decisões tomadas destes gênios da pintura. Este exercício é sim fantástico para seu desenvolvimento e sua percepção de valores, cores, composição e até das temáticas representadas evoluirá muito com o tempo. Não quero que de nenhuma forma se sintam desmotivados a fazê-los com este texto. Segue um vídeo bem interessante do Noah Bradley sobre o assunto:

Pelo contrário, o que vem me intrigando cada vez mais nos últimos anos é que esses artistas não só produziam seus trabalhos em mídias tradicionais, com suas devidas restrições e peculiaridades, como também passaram por todo o seu processo de aprendizado nas mesmas. Eu já discuti muitas vezes aqui no blog e também no canal do Youtube sobre a importância que dou em analisar os processos de aprendizado de artistas e principalmente os artistas do final do século 19 e começo do século 20 me interessam muito. O que os torna tão completos do ponto de vista da representação realista? O quanto o processo de exploração no tradicional é diferente da exploração no digital?

Não tenho respostas definitivas, mas acredito que um ponto que merece uma atenção especial seja a simplificação e decisões necessárias nas mídias tradicionais, além, é claro, de muita dedicação. Como eu discuti no vídeo acima, com base em entrevistas do Iain McCaig por exemplo, quando trabalhamos no tradicional não temos toda a flexibilidade do digital, onde podemos desfazer e refazer ações quantas vezes quisermos, redimensionar/reposicionar elementos e alterar valores e cores. No tradicional, o planejamento se torna algo essencial, especialmente nas mídias com menos flexibilidade ainda, como o desenho a caneta e a pintura na aquarela. E mesmo naquelas onde temos ainda mais flexibilidade, como o desenho a grafite e a pintura a óleo, fica muito mais clara a necessidade de planejamento e decisões antes mesmo do lápis tocar no papel.

No meu exemplo pessoal, um caso que chamou a atenção foi a maior clareza nas decisões de temperatura quando começamos a misturar pigmentos. Fica muito mais tangível o quanto você deve colocar de uma coisa quente ou fria em um determinado local da imagem, gerando contrates e uma melhor leitura da luz e da composição. Um exemplo bastante didático disso você pode ver no vídeo abaixo, do Nathan Fowkes:

Mesmo no mercado de entretenimento, se pararmos para pensar, grande parte dos grandes nomes ainda atuantes no mercado se desenvolveram em uma época em que não existia o digital (tendo o Photoshop só sido inventado em 1987). Artistas como o Craig Mullins, que atualmente inspira gerações de novos concept artists, foi um dos primeiros, senão o primeiro, pintores digitais. Ele discute um pouco dessa história nessa entrevista acima. Nathan Fowkes, do vídeo acima, também comenta muito em entrevistas sobre seu passado e também presentes nas artes tradicionais.

Também vale citar a geração de artistas formados pelo Safehouse Atelier, do artista Carl Dobsky e onde lecionam muitos artistas do mercado de entretenimento e fine arts, como Karla Ortiz e Cole Eastburn.

A estrutura do ateliê se dividia entre práticas acadêmicas, com desenhos em carvão de esculturas em gesso, durante as manhãs e estudos de temas como perspectiva, assim como disciplinas mais aplicadas ao mercado de entretenimento (character design, veículos, cenários, etc), durante as tardes. Uma rotina bastante intensa, mas que os ajudou a se tornarem os grandes artistas que são hoje.

Se pode pegar as grandes escolas americanas de arte para entretenimento, muitas delas se baseiam bastante em técnicas tradicionais. Segue um vídeo que fiz em visitas a estas escolas:

Por que será então que, principalmente aqui no Brasil, sinto que estamos nos distanciando das artes tradicionais? Quero tentar com esse post apresentar alguns dos materiais e artistas de referência nos mesmos, assim como algumas sugestões de locais (em São Paulo que é onde eu conheço mais) onde você pode estudar cada um. Por favor, acrescentem mais indicações nos comentários, especialmente em outras cidades do Brasil.

A ideia é motivá-los a experimentar um pouco com as técnicas e ver o quanto cada uma pode ou não acrescentar ao seu processo.

Carvão

Este é um dos materiais mais importantes na história da arte, base de estudos e também de obras de muitos dos maiores nomes que já conhecemos, de grandes mestres e acadêmicos aos expoentes do mercado de entretenimento e fine arts contemporâneas.

Em seu livro Imaginative Realism, James Gurney descreve bastante a importância do uso de estudos de valores e desenho como elemento estruturantes de uma boa pintura, especialmente no método acadêmico.

Já Nathan Fowkes, neste vídeo abaixo, enfatiza o desenho de retratos em carvão como uma das formas essenciais da prática de composição e leitura em uma imagem. Ele também tem um livro fantástico sobre o tema:

Existem muitas outras fontes interessantes do estudo de técnicas de carvão, incluindo o canal Proko no Youtube e inúmeras demonstrações como esta abaixo:

Existem diversos ateliês pelo Brasil que ensinam técnicas de carvão, vou me restringir aqui a indicar o Plein Air Studio e o ateliê do artista Maurício Takiguthi.

Pastel

Incrível pensar que este foi o primeiro material que estudei pintura, quando era bem pequeno. Apesar disso, nunca mais tive contato com estas técnicas e devo admitir que conheço muito pouco a respeito. Anos depois, voltei a ouvir de sua utilização através do ateliê do Maurício Takiguthi em São Paulo, também a uma ótima recomendação para o estudo deste material aqui em São Paulo (você só irá demorar um pouco mais para chegar no mesmo, pois terá que passar pelas etapas de grafite e carvão do curso). Seguem alguns vídeos de seu processo:

Outra opção é o curso do Guará Estúdio. Seguem alguns vídeos do canal deles no Youtube:

Óleo

Este, com certeza, é o material mais conhecido que temos na história da arte, no qual as maiores obras de pintura foram executadas. Desde as misturas de pigmentos em estúdio até as tintas em tubos levadas para pinturas de locação, o óleo carrega uma riqueza que é difícil descrever em um pequeno texto.

Ao invés de falar muito, prefiro deixar alguns vídeos deste que para mim é um dos melhores canais de exploração de arte do Youtube:

Inúmeros artistas contemporâneos seguem utilizando estes materiais até os dias de hoje, seja de forma mais representativa ou mais abstrata. Dentro do espectro representativo, é impossível falar sobre pintura óleo sem falar de uma das maiores referências contemporâneas nesse material, Richard Schmid.

Arte de Richard Schmid

Em algum momento no futuro, quero fazer um vídeo especificamente para falar sobre ele, porém é certamente uma das maiores referências para artistas de óleo, mas também para artistas de outras mídias, incluindo o digital. Seguem dois vídeos sobre seu processo e vida:

Além de um grande artista, Schmid também é um grande educado, sendo seu livro um dos mais recomendados para estudantes de pintura.

Queria tirar este momento para fazer um parênteses, que provavelmente será repetido em outros posts no futuro. Convido a todos que puderem a comprarem livros e artes especialmente de artistas vivos, assim como incentivarem outros a sua volta a fazerem o mesmo, se nós não valorizarmos o nosso meio, quem irá? Investindo em originais, prints, tutoriais e livros de artistas atuais, você contribui para a manutenção e crescimento da nossa indústria.

Outra grande referência na pintura representativa é o artista David Kassan, vale a pena conferir alguns de seus vídeos:

A tinta a óleo também é uma das preferidas de artistas para pintar ao ar livre, o chamado Plein Air, que comentei no post sobre Pintura Digital. Também deixarei a conversa especificamente sobre este movimento para outro post, porém em São Paulo temos uma grande referência nacional desta prática, o artista Alexandre Reider, que leciona no Plein Air Studio. Este ateliê, para mim, é um dos melhores para quem gostaria de experimentar estas técnicas, seja voltadas para a pintura de paisagens ou da figura humana. Tive o prazer de entrevistar o Alexandre para um vídeo do canal:

Seguem também alguns vídeos deles no Youtube:

A pintura a óleo, apesar de ser bastante reconhecida por sua aplicação em tela, também pode ser utilizada para a execução em outros meios. Recentemente, tive contato com o que considero um dos sketchbooks mais bonitos da internet, do artista Nicolas Uribe. Neste vídeo abaixo, da para ter um gostinho de sua técnica:

Em janeiro de 2019, terei o prazer de ver uma aula ao vivo dele aqui no Brasil, organizada pelo Plein Air Studio. Será uma oportunidade ainda melhor de ver seu processo, ouvir sua história e fazer algumas perguntas sobre, por exemplo, como ele construiu uma fan base de quase 140 mil seguidores no Instagram. As inscrições ainda estão abertas através do link abaixo:

http://www.pleinairstudio.com.br/calendario/workshop-nicolas-uribe/

Acrílica

Apesar de todas as suas aplicações e história, a tinta a óleo também é uma das mais tóxicas, envolvendo solventes além da natureza de alguns pigmentos. Isso foi melhorando com os anos, tendo alguns elementos, como o chumbo nos brancos, sido substituídos por versões menos tóxicas, porém ainda existem muitos artistas que não conseguem utilizar este material.

A acrílica é um grande aliado para quem gostaria de ter resultados estéticos semelhantes, porém sem os riscos e também sem o longo tempo de secagem do óleo. Este segundo fator, por outro lado, pode também ser um problema na acrílica, pois a secagem é bastante rápida.

Eu particularmente tive muito pouco contato com esta mídia, então convido a quem conheça melhor a contar um pouco da experiência nos comentários. Sei que o artista Renato Guedes utiliza bastante esta mídia em suas obras. Segue um vídeo sobre ele:

Também conheço poucos locais de ensino desta técnica, então deixarei mais uma vez a referência do Guará Estúdio.

Aquarela

Esta é provavelmente minha mídia preferida desta lista. Não necessariamente pelos resultados estéticos, pois também gosto muito principalmente do que artistas conseguem fazer na pintura a óleo. Infelizmente, já percebi nas pequenas interações que tive que óleo não é para mim. Sendo assim, ao longo dos anos fui me envolvendo mais com a aquarela e descobrindo algumas características que me atraíram ainda mais para a técnica.

Devo muito do que sei de aquarela ao Wagner Zuri do Guará Estúdio, então não poderia começar essa parte do post de forma diferente senão agradecendo a ele e indicando seu curso como uma ótima opção em São Paulo.

Mas o que me atrai tanto nesta técnica?

Como explica o artista Gonzalo Cárcamo nessa entrevista abaixo, a mídia da aquarela, sem adição de guache por exemplo, quase não permite correções, sendo assim toda pincelada tem que ser muito pensada antes de sua aplicação. Após a pincelada, a água fará boa parte do processo e você perde o controle sobre o que vai acontecer. Isso, principalmente vindo de um engenheiro de formação é praticamente uma terapia de choque. É evidenciar de forma ainda mais tangível que na prática artística, assim como em praticamente nada na vida, não existe controle. Esse pequeno detalhe tem me ensinado muito sobre mim mesmo e também, claro, a melhorar artisticamente. Uma curiosidade interessante é que devido a sua dependência de fatores incontroláveis, aquarelas são impossíveis de se replicar por um forjador.

Sua portabilidade também é outro fator muito interessante, sendo outra ótima opção para artistas de Plein Air e especialmente o movimento dos Urban Sketchers (que também falarei mais a fundo em outra oportunidade). Seguem alguns vídeos sobre o tema:

Apesar de parecer ser muito utilizada para cenários e paisagens, pode também ser uma ótima opção para artistas da figura humana, como neste exemplos do artista Iain McCaig:

Guache

Uma prima próxima da aquarela, a tinta guache é uma ótima opção para pinturas mais opacas, assim como para abrir algumas luzes na pintura de aquarela. Diversos artistas utilizam uma mistura das duas mídias, especialmente para pinturas de locação.

Um exemplo é o artista Nathan Fowkes, que utiliza os pigmentos de aquarela e o branco do guache como base de seus estudos e também do seu curso de paisagens na Schoolism.

Você pode acompanhar mais de seu trabalho através do seu antigo blog e também do Instagram.

Outro ótimo exemplo é o artista Marco Bucci, que fez ótimos vídeos sobre o tema em seu canal:

Para os artistas da figura humana, segue também um exemplo de aplicação do artista Nicolas Uribe, que normalmente utiliza o óleo, mas para este vídeo em específico resolveu mudar de material:

Como falamos anteriormente, Nicolas tem um dos sketchbooks mais bonitos da internet. Mas certamente um grande “concorrente” é o artista Steve Huston, que também faz obras maravilhosas em diferentes mídias, incluindo guache, em seus sketchbooks. Segue um trailer de seus tutoriais sobre o tema no site New Masters Academy:

Mais uma vez, recomendo o Guará Estúdio em São Paulo para quem se interessar pela técnica. Também acontecem algumas oficinas do artista Carlos Avelino no Plein Air Studio.

Mixed Media

Falamos sobre a utilização de aquarela e guache em conjunto, porém existem muitas outras combinações possíveis no mundo da arte. Vale a experimentação, sem muitas regras e preconceitos, nunca se sabe o resultado que você poderá atingir. Seguem alguns vídeos para inspirar suas tentativas:

No segundo post dessa série, vou entrar um pouco mais nas aplicações de mercado, tanto para fine arts quanto para o entretenimento.

Quero através deste post abrir um diálogo com a comunidade e ver a que conclusões conseguimos chegar em conjunto. Além disso, espero motivá-los a experimentarem outras mídias e processos.

Obrigado por ter lido!

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