Iain McCaig e o sonhar sobre o papel

Hoje foi um daqueles dias felizes para os artistas de ilustração e concept art. O artista Bobby Chiu, criador da escola Schoolism e do estúdio Imaginism, publicou em seu canal do Youtube uma entrevista com o lendário ilustrador Iain McCaig.

O artista, que já trabalhou em grandes projetos como Star Wars Episódio I, John Carter e Harry Potter, falou sobre sua história, seu processo, sua visão sobre a arte e o desenho e por último anunciou que fará um curso para a Schoolism, que provavelmente será lançado em 2016. Separei alguns pedaços, incluindo quotes muito interessantes, para discutirmos, mas estou linkando aqui o vídeo original, em inglês: 

A conversa começou com o belíssimo livro da arte de Iain McCaig, Shadowline, que ele diz ter sido "uma forma de mostrar um pouco do interior de sua cabeça". Isto é, ele contou de sua forma descontraída, através de lindas ilustrações e humor, um pouco de seu processo, sua relação com prazos (deadlines) e projetos nos quais trabalhou, sempre com inúmeros exemplos de ilustrações, sketchs e storyboards. Ele realmente adora contar história e isso transparece neste livro. Segue o link para aqueles que tiverem interesse, vale muito a pena (eu tenho um):

No final do livro, ele inclui alguns "mini cursos" onde passa um pouco do seu pensamento sobre o desenho para uma série de exercícios sobre temas diversos, incluindo equilíbrio, anatomia, criação e o conceito que ele sempre comenta sobre o "sonhar sobre o papel".

Este é um conceito para o qual ele fez um quote interessante na entrevista, incluindo sua relação com o ensino do desenho:

"Todas as noites, quando as pessoas vão dormir, elas sonham seres humanos perfeitos, magistralmente iluminados e animados e elas nunca pensam sobre isso, nunca tentaram criá-los. Eu acredito que ensinar alguém a desenhar é fazer com que eles sonhem enquanto estão acordados. E depois sair de seus caminhos para não estragar."

Este é um ponto interessante que muitos autores discutem sobre o processo de desenhar e seu aprendizado. Seria bom um post inteiro para discuti-lo e juntar as referências, mas o que me intriga é essa janela para o processo criativo dele. Muitos autores, incluindo principalmente Heinrich Wolfflin em seu Conceitos Fundamentais da História da Arte, traçam as diferenças claras sobre o desenho linear, estruturado, racional e o desenho pictórico, perceptivo. 

Apesar de provavelmente Iain ter aprendido os fundamentos da arte linear, estrutura, anatomia (ele cita mais pra frente na entrevista ter estudado os livros de Andrew Loomis, principalmente o Figure Drawing for all it´s worth), por muito tempo ele aprendeu a copiar desenhos de cartilhas e imagens de dinossauros, como ele fala. É possível que depois ele tenha começado a imaginar o que iria desenhar, desenvolvendo cada vez mais esta habilidade ao longo dos anos e ficando cada vez melhor em "copiar" o que ele desenvolvia em sua cabeça. Seria isso talvez o seu "dreaming on paper", sonhando sobre o papel? Já discuti a respeito disso sobre o processo do Kim Jung Gi com alguns amigos.

Não tenho respostas para esta questão, mas acho legal a discussão, do quanto as regras e estruturas servem no processo criativo mais como ferramentas de correção do que imaginação. Comentem depois o que vocês acham. Mas por enquanto, voltamos ao vídeo... 

A conversa continua no sentido da educação e Bobby Chiu cita o quanto acha interessante quando uma pessoa entende algo complexo, entende mesmo e não somente copia algo dito por outra pessoa, e o destila em teorias e explicações simples. Para o qual Iain complementa com outra grande quote:

"E melhor ainda quando você transforma isso em um jogo. Porque você lembra quando estava aprendendo a andar, aprendendo a falar e tudo mais, era tudo através de brincadeira. E você se levantava e tentava de novo porque era divertido. Se pudêssemos transformar as pessoas em crianças que não se preocupassem se está bom, mas se é divertido."
"É principalmente o medo de falhar, o medo de cair e parecer estúpido, mas as crianças não se preocupam com isso."

Este ponto tem um pouco de ligação com o que discuti anteriormente. Acredito que hoje em dia ficamos tão focados em fazer algo parecer certo que fugimos do motivo inicial que nos trouxe para esta área que são as experiências visuais e criativas.

Claro que queremos ter bons resultados, mas estes não podem estar na frente do processo e da diversão durante o processo. A prática Zen Budista, muito discutida no ateliê do Maurício Takiguthi, toca muito neste assunto, principalmente quanto a valorização do processo e atacar problemas com o olhar do principiante. Dois livros indicados pelo Maurício neste assunto são A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen e Mente Zen: Mente de Principiante. Ainda farei mais posts sobre estes temas.

Acho que temos que sempre olhar para trás e nos questionarmos por que estamos fazendo o que fazemos. Voltando ao vídeo...

Ele conta então sua história de vida, incluindo o fato de ter ficado no Canadá para terminar seus estudos dos 14 aos 18 enquanto seus pais se mudaram para os EUA. Ele diz que foi um momento muito introspectivo, onde aprendeu que tudo era possível. Aí veio mais uma daquelas:

"Mais tarde vim a entender que existe um preço atrelado a tudo e você tem que estar disposto a pagá-lo"
"Fazer algo não é mais díficil que simplesmente COMEÇAR".
"E ficando bom em algo, quando você atinge o ponto que achava ser bom, você percebe o quanto ainda tem que melhorar."

É importante para todo artista iniciante entender que a estrada não terá fim. Que quanto mais se sobe, mais se verá que tem para subir. Mas também entender que isso é normal, e que todos os artistas passaram por isso. É um preço alto a se pagar, mas todos que chegaram a algum lugar o pagaram e não tem ninguém melhor que Iain McCaig para dizê-lo.

Eles entram então em uma discussão sobre a geração da internet e o acesso a conteúdos e artistas diversos. Bobby então pergunta os pontos positivos e negativos disso. Iain então exalta o quanto a internet está criando uma geração de artistas fantásticos que com 20 e poucos anos tem qualidade de trabalho de pessoas de 40 anos das gerações anteriores.

Com relação aos pontos negativos, Iain cita que o problema com o digital é que por você poder mudar infinitamente o que faz, você não aprende a se comprometer com o que faz. Muitas vezes se faz algo pelo mero ato de fazer e ficar bonito. Não se pensa mais profundamente em o que se está fazendo e por que se está fazendo.

"Você deve lembrar que fazer algo parecer belo não é o mesmo que fazer algo belo"

Ele então opina que storytelling, a arte de contar histórias, não é mais ensinada como antigamente. Que este importante quesito tem se tornado secundário, argumento que ele ilustra com os grandes blockbusters do cinema, onde a história é o coadjuvante e a experiência é que é o importante, como uma atração de parque temático. E ele acha que este é um dos problemas desta geração.

"Os jovens agora já têm uma bela voz, agora eles precisam de músicas para cantar. Então aprender a escrever estas músicas é o próximo passo"

Outro ponto que me interessou bastante é o que Iain McCaig fala sobre seu curso de graduação. Ele fez Design Gráfico, pois era onde teria o maior contato com a ilustração. Mas em suas palavras:

"Nos anos 70, as escolas de arte eram mais focadas no que você sente do que como você faz"

Ele complementa dizendo que durante o curso não aprendeu a desenhar propriamente dito e que fazia exercícios de tipografia e como deixar quatro retângulos pretos mais agressivos.

Este ponto é interessante e estou desenvolvendo um post inteiro sobre isso, pois é o momento que vive a graduação em artes no Brasil, mas que eu acredito que tenha muitos elementos que podem ser aproveitados. 

Ele diz que aprendeu realmente a desenhar desenhando desde pequeno e através de algumas matérias do primeiro ano da faculdade (fundamentos) ele conseguiu praticar, com sessões de modelo vivo e outros exercícios. Algo que realmente ele só foi aprender depois de formado foi a pintar.

Eles desenvolvem outros pontos da carreira de Iain e pessoas que ele encontrou pelo caminhos e projetos que trabalhou. Iain então desenvolve sobre seu processo criativo, com alguns dos melhores quotes do vídeo:

"É isto que me move, a vida!"
"Se você quer ser um grande artista, tenha uma ótima vida (...) tenha experiências ricas para poder desenhá-las."
"Nunca se acostume com as coisas, sempre reavalie!"
"No momento que você coloca história nas coisas, elas ganham vida!"

Eles terminam a conversa explicando como será o curso do Iain na Schoolism, que tentará basicamente atacar os pontos discutidos na entrevista, histórias, aplicação de fundamentos técnicos e criação. Ele irá documentar todo o processo de criação de uma releitura visual do livro Frankenstein. Será fantástico de assistir!

Este post foi muito interessante de escrever, pude mergulhar nos assuntos discutidos e questionar meu entendimento sobre os mesmos, mas abri vários tópicos que podemos discutir pelos comentários ou em outras publicações! Mandem suas opiniões. Estou pensando em um formato que possamos gravar discussões sobre estes tópicos, mas ainda não tenho certeza. Se alguém tiver sugestões, seria bem interessante ouví-las.

O último ponto que gostaria de tocar é agradecer pelo crescimento que o blog tem tido. São somente 10 dias no ar e são 500 likes na página do facebook e mais de 3000 page views. Estou realmente muito feliz e motivado para continuar! Muito obrigado!

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